Mats Wilander "João Sousa tem jogo para ir mais longe num Grand Slam"
Mats Wilander tem um lugar especial na história do ténis português (e não só...). O sueco ganhou aquele primeiro ensaio de um grande torneio internacional no nosso país, o Open de Portugal, em 1983, onde bateu na final Yannick Noah, um mês antes de perder para o francês na final de Roland Garros. Vencedor de sete títulos do Grand Slam entre 1982 e 1988, o atual comentador da Eurosport esteve à conversa com alguns jornais europeus, entre os quais o DN como único representante de Portugal, numa iniciativa do canal televisivo.
Comecemos por João Sousa. Acha que o melhor tenista português de sempre tem espaço ainda para melhorar? O que espera dele no próximo Open da Austrália?
Seguramente. Continuo a pensar que o João pode, num quadro bom, chegar mais longe num Grand Slam. Tem jogo para chegar a uns quartos-de-final de um major, porque tem um ténis muito físico, consistente. É um jogador sólido. Depende de quem encontrar pela frente nas rondas iniciais. Se encontrar logo jogadores de topo que tenham um dia bom fica difícil, porque Sousa não tem esses winning shots ou grande serviço para fazer diferença contra jogadores de topo. Se enfrentar, por exemplo, um Milos Raonic em boa forma... é difícil. Mas se tiver um bom sorteio, pode perfeitamente chegar aos quartos-de-final.
Passam-se 30 anos desde que ganhou o Open da Austrália pela terceira e última vez. Como descreve a sua relação com o torneio?
Sinto-me muito ligado ao torneio, naturalmente. Joguei o Open Austrália em dois sítios diferentes, tive sucesso em dois pisos diferentes [nas suas vitórias de 1983 e 1984 o piso ainda era em relva]. Sempre passei muito tempo na Austrália a treinar, porque nós suecos íamos lá treinar na relva. Sempre senti uma excelente atmosfera, estava realmente com grande vontade de ir lá jogar porque podia conviver com nomes como Rod Laver, Roy Emerson, John Newcombe e vários outros grandes campeões, porque a Austrália é um país com mais grandes campeões do passado do que qualquer outro no ténis. Penso que este é o torneio mais especial para vários jogadores porque vem numa altura do ano em que já não jogam um Grand Slam há quatro meses e o próximo só chega dentro de outros cinco. Os jogadores estão sempre muito ansiosos pelo Open da Austrália e é uma altura em que estão cheios de confiança, depois da pré-temporada.
Qual é a sua aposta para a grande história (não necessariamente o vencedor) do Open da Austrália deste ano?
É Roger Federer conseguir defender o seu título. Isso será uma enorme história. No ano passado ninguém esperava que ele ganhasse, não havia pressão nenhuma sobre ele. Mas agora tem a pressão toda. Federer está no top da forma e todos querem pará-lo. Será uma grande história para mim se ele for capaz de se mostrar física e mentalmente preparado para voltar a ganhar e defender o título.
E como se explica que Federer esteja a jogar o seu melhor ténis aos 36 anos?
Não sei se está a jogar o seu melhor ténis. Acho que está a jogar, sim, o seu ténis mais eficiente. Está a ser excelente taticamente e isso faz não só com que ele pareça melhor jogador mas também torna os adversários piores. Acho que ele não fez isso tão bem no passado e está a fazê-lo de forma perfeita agora.
Acha que Roger Federer vai conseguir ser o mais velho número 1 da história do ténis? E até quando conseguirá ele manter-se a jogar ao mais alto nível?
Não sei se ele vai ser o n.º 1 mais velho ou não. Mas estou certo de que ele agora não está preocupado com isso, está mais focado em ganhar o Grand Slams. Talvez a meio do ano ele comece a pensar no n.º 1. Para já, tem tantos pontos para defender nos próximos dois meses e meio, não só no Open da Austrália. De resto, penso que ele pode jogar a este nível mais dois ou três anos. E ainda pode ser perigoso em Grand Slams aos 40 anos. Penso que jogará cada vez menos torneios ano após ano, e sabe agora que não precisa de jogar muitos torneios para estar em condições de ganhar um Grand Slam. O seu estilo de jogo, o seu talento e a forma como trabalha - de forma mais dura do que a maioria das pessoas se apercebe - fazem que ele possa aspirar a ganhar majors (ou lutar por eles) até aos 40.
Roger Federer encontrou a fórmula para superar Rafael Nadal na época passada, depois de muitos anos em que sofreu nesses duelos. O que acha que o espanhol tem de fazer para voltar a ser uma ameaça para o suíço?
Penso que, sobretudo, ele tem de ter paciência. Porque se Federer continuar a jogar tão bem como no ano passado não sei se alguém no mundo consegue batê-lo. O Rafa tem de ter paciência, porque essa fase não vai durar para sempre. E tem de ter cuidado para não cair na armadilha de Federer, que gosta de jogar pontos rápidos e agressivos. Nadal tem de ter disciplina e consciência para perceber que Federer, ao seu melhor nível, é melhor do que ele. E deve tentar esticar os pontos ao máximo sem cometer erros, para forçar erros de Federer. Nos últimos duelos, Nadal tem feito muitos erros, tem tentado forçar o ritmo e bater Federer no jogo e no ritmo dele. Deve jogar um bocadinho mais como costumava jogar antes. É a única hipótese que vejo.
Federer é favorito, mas vê algum outsider no top 15 capaz de o surpreender?
David Goffin é um jogador a quem temos de dar mais atenção. É óbvio que Alexander Zverev melhorou bastante, está fisicamente bem e saudável - e com muita gente a não estar a 100% pode aproveitar para agarrar aqui o seu primeiro major, ou pelo menos fazer um grande torneio. Mas penso que David Goffin, alguém em quem não costumamos pensar para ganhar um major, tem melhorado bastante, não apenas física mas também taticamente. É o jogador que está a dar maiores passos em frente, a melhorar mais.
Um dos destaques desta semana foi o anúncio de Andy Murray, que vai falhar o primeiro Grand Slam do ano ainda por causa da lesão na anca. Que conselho lhe daria nesta fase da carreira, com 30 anos e a perspetiva de uma longa paragem pela frente?
Bom, vamos ver. Depende se vai ou não recorrer a cirurgia e de como esta correr. O meu conselho seria talvez que se afastasse durante uns tempos até recuperar totalmente. Inspirar-se nos exemplos de Nadal e Federer [que passaram por lesões complicadas no passado] e depois voltar quando se sentir completamente saudável. Murray é demasiado bom para se preocupar em não voltar ao mesmo nível. Se ele estiver saudável voltará certamente a recuperar o nível do seu jogo. Apressar o regresso não é boa ideia. Mas é difícil ouvir isso quando se tem 30 anos e o tempo começa a escassear.
Acha que a lesão o pode obrigar de alguma forma a mudar o estilo de jogo? Passou por isso na sua carreira?
Bom, eu não senti necessidade de mudar o meu ténis por causa de lesões ou questões físicas. Senti, sim, essa necessidade por estar cansado de perder com determinado tipo de jogadores. Tive de tornar o meu ténis mais agressivo. Temos de permitir uma evolução natural não só do nosso jogo como da nossa personalidade. No caso de Murray, terá provavelmente de passar a jogar também um ténis mais agressivo, com pontos mais rápidos, tal como Federer está a fazer e Nadal também. Estes dois são hoje jogadores diferentes do que já foram. Mas não sei se Andy se sente confortável para isso.
As lesões têm sido um grande problema que está a afetar os circuitos. O que pode ser feito para minimizar isso? Há que encurtar o calendário?
Não sei se há alguma coisa que se possa fazer quando temos uma época competitiva que vai de 1 de janeiro até ao fim de novembro. Não há muitos desportos em que isso aconteça, talvez o golfe. Assim, nunca há muito tempo durante a época para se curar uma lesão e os tenistas estão a correr contra uma parede em termos físicos. Temos o exemplo do Federer, que decidiu começar a descansar nalgumas partes da época e deu-se bem com isso. De resto, não penso que haja grandes soluções com um calendário competitivo tão longo, infelizmente.
O Mats tinha já quatro títulos do Grand Slam aos 20 anos. Porque é que é tão difícil hoje em dia aos jogadores jovens chegarem a finais e títulos nos major. Deve-se tão-só à qualidade e longevidade do Big Four [Nadal, Federer, Murray e Djokovic], e em especial a Nadal e Federer, ou também falta a atitude competitiva mais adequada aos jovens da NextGen?
Ambas. O facto de termos jogadores a nível top durante mais de 10 anos - e não só Federer e Nadal mas também outros jogadores como Fernando Verdasco, que se aguentam no top durante muito tempo e são tão talentosos - torna mais difícil aos jogadores jovens progredirem nos rankings, porque os de top resistem mais tempo. E, por outro lado, há muito poucos jogadores de 20 e poucos anos, hoje em dia, que tenham maturidade em court como num passado não muito distante o Lleyton Hewitt tinha, aos 20, ou como Rafa Nadal tinha, Djokovic, até Andy Murray. Acho que estamos a treinar estes miúdos em excesso desde muito novos e depois quando têm de resolver as coisas por eles próprios em court, no início da carreira profissional, estão tão condicionados, formatados, que têm dificuldade em arranjar o seu próprio caminho e estilo. Levam alguns anos no Tour até perceberem o que precisam realmente de fazer para atingir aquilo que querem.
Que jogador da Next Generation poderá ganhar um Grand Slam primeiro?
Eu diria o Zverev ou o Kyrgios, quando conseguir reunir um bom torneio completo. Quando ele brilha, brilha mais do que o Zverev, na minha opinião, mas para ganhar um Grand Slam tens de mostrar consistência física ao longo de duas semanas. Penso que o Kyrgios pode surpreender as pessoas este ano no Open da Austrália, é uma questão de forma física. E pela lógica acho que poderíamos dizer que Zverev vai ganhar um título do Grand Slam nos próximos três ou quatro anos.
A Suécia está a assistir ao crescimento de um talento chamado Leo Borg [filho de Bjorn Borg, de 14 anos, que tem ganho vários torneios jovens]. O que significaria para a Suécia um novo fenómeno Borg no ténis?
Significaria muito para o ténis mundial, não só para o sueco. Ter o filho de um antigo número 1 mundial a seguir-lhe os passos seria fantástico. Para o ténis sueco seria tão importante como foi o aparecimento de Bjorn. Ele foi a principal razão pela qual nós tivemos tanto sucesso no ténis nas décadas de 1980 e 1990. Se Leo puder servir de modelo, como o pai, para outras gerações, será uma grande história. O problema que ele enfrenta é mesmo esse. Vai ter milhares de histórias escritas sobre ele, as comparações com o pai, etc Muita pressão exterior. Deixemo-lo desenvolver ao seu próprio ritmo.
No setor feminino, Serena Williams pode reconquistar o domínio do circuito em 2018, após a pausa para ser mãe, apesar de ter decidido ficar de fora ainda do Open da Austrália?
Acho que sim. Ela não precisa de muito treino. Bastam-lhe alguns jogos para voltar a ganhar o nível do seu ténis. Por isso penso que será apenas uma questão de confiança. Ela tem a técnica, tem os golpes, tem o serviço penso que a paz de espírito que terá nesta altura só a vai ajudar neste regresso ao topo e reforçar a vontade de ganhar.