Pode-se levar a sério um jogo a que toda a gente chama matrecos? Que é divertimento de café, associado a apostas de rodadas de cerveja e cujas regras mudam consoante a hora do dia e o local onde se joga? Há um grupo – ainda pequeno, mas em franco crescimento – de pessoas que acha que sim, que os matraquilhos são, não só para ser levados a sério, mas podem até ser um desporto. A Federação Portuguesa de Matraquilhos já existe, aliás há XX anos. E tem até um lema para mudar a imagem da actividade: Velho jogo, Novo desporto..Quem nunca fez uma ‘roleta’ para marcar um golo aleatório na baliza oposta que se atreva a enunciar quais serão as regras oficiais deste jogo. E este tema de discussão em trantas mesas de matraquilhos pelo mundo fora é também um dos principais problemas da tentativa de tornar os matraquilhos um desporto..As regras portuguesas, por exemplo, são diferentes das que se praticam noutros países da Europa. A questão de a bola ter de ir sempre ao meio, e o facto da bola às vezes entrar e sair... “Nós decidimos não ser golo…”, explica José Campos Duarte, presidente da Associação de Matraquilhos do Distrito de Setúbal, a principal do país, que conta com o campeão nacional, o vice-campeão e o vencedor da Taça de Portugal..Nos jogos oficiais de matraquilhos há cartões amarelos e vermelhos, mas também livres. E o muito importante fair play, traduzindo em, de cada vez que se coloca a bola em jogo, ter de sempre se perguntar ao adversário se está «pronto». Também nas regras as Federações querem marcar a diferença dos cafés de todo o país….Mas há mais: as mesas. A International Table Soccer Federation (Federação Internacional de Matraquilhos) tem homologadas pelo menos cinco mesas. E qualquer delas é uma raridade em Portugal: são muito caras. Bicampeão nacional, André Marques explica os problemas que isto traz aos praticantes a sério da modalidade: «Umas usam madeira, ferro e chumbo, como as nossas, outras, as internacionais utilizam materiais plástico, MDF e liga leve. As dimensões entre elas também são diferentes, assim como as distâncias entre bonecos e as dimensões das balizas.».O suficiente para baralhar um jogador de precisão. “Há fintas que fazemos nas nossas mesas que são fabricadas em Portugal que não conseguimos fazer nas mesas internacionais. No Mundial participei numa competição denominada Multitable, ou seja, tive de jogar em cinco tipos de mesas diferentes, de acordo com o tipo de mesa adoptada por cada país adversário.” Portugal, adoptou as mesas italianas Roberto Sport. “Joguei com elas cinco ou seis vezes antes da prova…”, confessa André. Mesmo assim, alcançou o melhor resultado de Portugal no Mundial de Nantes, em Janeiro passado. Foi nono a nível individual. Um resultado que premeia um caminho que começou aos cinco anos, altura das suas primeiras recordações de matraquilhos, quando via o pai e o tio jogarem, muitas vezes a dinheiro..Bi-campeão nacional e vencedor da Supertaça, Marques foi praticante de outros desportos, como futebol de salão, karaté, Gimnoestrada e futebol de 11, «no Almada FC, como iniciado, e como sénior no Portalegre.» Hoje reparte o seu tempo entre o trabalho, na placa do aeroporto de Lisboa, e os matraquilhos que joga em Setúbal..Este ano, o Campeonato Nacional de matraquilhos será disputado entre 1 e 5 de Outubro (o local ainda não está definido) e nele vão estar os campeões distritais dos vários escalões (há actualmente oito distritos). São também realizados nos mesmos dias a Fase Final da Taça de Portugal e a Fase Final da Supertaça. Em termos internacionais, a principal prova este ano decorre em Agosto, a Elite Cup, prova de preparação para o Mundial, em França, no próximo ano. .O presidente da Federação Portuguesa de Matraquilhos, Vítor Bessa, acha que ainda é cedo para trazer o Mundial para Portugal. «Dentro de dois, três anos esperamos já ter reunidas todas as condições de adaptação ao modelo internacional, assim como os apoios necessários para um evento deste nível.»Embora as mesas de matrecos não sejam propriamente raras, há cada vez mais gente a procurar a FPM para saber onde pode disputar jogos oficiais..Como nas restantes modalidades, também nos matraquilhos há clubes, embora estes sejam na realidade cafés que têm mesas homologadas pela federação. No entanto, os novos jogadores também podem treinar em colectividades e restaurantes. «O importante é ter uma mesa legal», diz o seleccionador nacional, Vítor Fonseca..O inventor dos matrecos.O espanhol Alexandre Campos Ramires, ou melhor, Alexandre Fisterra, como era conhecido, foi o inventor dos matraquilhos ou matrecos (variante da forma galega matraquinhos)..Inventou o futebol de mesa (futbolín, em espanhol) no Hospital de Monserrat, onde convalescia depois de ter sido evacuado de Madrid, onde ficara soterrado durante um bombardeamento aéreo da aviação franquista, em Novembro de 1936, durante a Guerra Civil..Impossibilitado de jogar futebol devido aos ferimentos, teve a ideia de criar um jogo que estivesse para o futebol como o ping pong está para o ténis e encomendou o primeiro jogo a um carpinteiro basco, Francisco Javier Altuna..No ano seguinte, em 1937, registou a patente da sua invenção em Barcelona mas não conseguiu produzi-la devido à mobilização das fábricas de jogos para o esforço de guerra. Quando as tropas franquistas se aproximavam de Barcelona, Fisterra fugiu para França. A chuva dos Pirinéus desfez o o documento de registo da patente..De Paris, viajou para o Equador e para a Guatemala, onde começou verdadeiramente a explorar o negócio dos matraquilhos, depois de lhe introduzir melhoramentos, como as barras de aço para unir os jogadores..Em 1954, durante um golpe de Estado, foi raptado por agentes franquistas e levado à força para um avião. Mas na casa de banho fez um invólucro com sabão e papel de prata – e saiu de lá a gritar que tinha uma bomba e estava pronto a fazê-la explodir se não deixassem desembarcar no Panamá. E assim foi. Os matraquilhos tornaram-se um sucesso, sobretudo em Espanha. E Alexandre Fisterra tornou-se um editor de sucesso na América Latina. Voltou a Espanha depois da morte de Franco e morreu em Zamora, em 2007, com 87 anos.