Matosinhos vale um terço da capacidade de refinação da Galp

A refinaria de Matosinhos vai encerrar atividade a partir do próximo ano. São afetados cerca de mil trabalhadores, entre diretos e indiretos. O Estado tem uma participação de 7,48% na Galp Energia.
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A refinaria de Matosinhos vai perder a sua vocação industrial já no próximo ano. O complexo, que iniciou atividade há mais de 50 anos, tem uma capacidade de processamento de crude da ordem dos 110 mil barris/dia, o que representa cerca de um terço da capacidade de refinação da Galp Energia no país. Sines é o maior centro refinador do grupo português e também um dos maiores da Península Ibérica, e é nesta infraestrutura que serão concentradas as atividades de refinação e desenvolvimento. Neste complexo industrial, a Galp assegura a produção de 220 mil barris/dia. Em conjunto, as duas refinarias respondem por 20% da capacidade de refinação ibérica, isto é, 330 mil barris/dia.

Na segunda-feira, o anúncio do encerramento da atividade industrial em Matosinhos caiu como uma bomba entre os cerca de 400 trabalhadores diretos (a que se somam mais 600 indiretos) do centro industrial do norte. Apesar de esta sombra pairar sobre a unidade há vários anos, a decisão da Galp foi recebida com estupefação. Como disse ao DN/Dinheiro Vivo Telmo Silva, dirigente do SITE-Norte e representante da Comissão de Trabalhadores, a pergunta que se coloca é "qual será o futuro deste espaço", dado que a Galp só quer manter o centro de logística em funcionamento, ou seja, importação, armazenamento e distribuição.

O Estado, que responde por uma participação de 7,48% na Galp Energia - é o segundo maior acionista -, não comentou esta decisão. Contactada, a Parpública, empresa que gere esta posição, não prestou nenhum esclarecimento até à hora de fecho desta edição. A Galp Energia adiantou já ao final do dia de ontem que o calendário do processo está ainda a ser concluído, tendo em conta "a complexidade das atividades envolvidas assim como as adaptações que serão necessárias para a sua reconversão em parque logístico". A empresa está também a "avaliar as soluções mais adequadas para os cerca de 400 colaboradores afetos às operações em Matosinhos".

O grupo português frisou ainda que a capacidade de produção de Sines "assegura a satisfação integral da procura no mercado nacional", e recordou que se vive um "contexto de diminuição estrutural do consumo de combustíveis resultante do processo de transição energética em curso, acelerado pelas restrições à mobilidade decorrentes do contexto pandémico".

Já o ministro do Ambiente fez saber que as medidas anunciadas "inserem-se num processo de transformação nacional e internacional do setor energético", que visam a sua descarbonização e estão alinhadas com a política da Europa e de Portugal, e com os compromissos do Acordo de Paris. Em comunicado, Matos Fernandes considerou que a decisão da Galp "levanta preocupações", nomeadamente devido aos trabalhadores envolvidos, mas diz que os 200 milhões de euros de dotação do Fundo para a Transição Justa poderão ajudar a "proteger os trabalhadores afetados e financiar novos negócios que apoiarão a transição para uma economia neutra em carbono".

Nos 400 hectares da refinaria de Matosinhos, as cerca de quatro centenas de trabalhadores não estão só adstritos ao processamento de crude. No local, estão instaladas fábricas de óleos base, de lubrificantes e de aromáticos. Segundo informação na página da internet da Galp, a unidade produtiva de aromáticos e solventes responde anualmente por uma produção de 440 kt (quilotoneladas) e "destaca-se pela fiabilidade, a economia de funcionamento e a qualidade".

A fábrica de óleos tem uma capacidade de tratamento de 1,18 mtpa (milhões de toneladas/ano) de petróleo bruto e a de lubrificantes pode produzir 80 kt ao ano. O complexo refinador de Matosinhos está ligado ao terminal para petroleiros do porto de Leixões por oleodutos com cerca de dois quilómetros de extensão. Segundo a Galp Energia, o valor contabilístico dos ativos que vão ser descontinuados é de 200 milhões de euros.

Para a Galp, a refinaria de Sines tem para este negócio do crude uma localização e infraestruturas portuárias "privilegiadas" tanto para o aprovisionamento como para a exportação. O centro industrial, que ocupa uma área de 320 hectares, tem uma unidade de produção de hydrocracking, com uma capacidade de 43 kbpd (milhares de barris/dia), onde são fabricados produtos derivados do petróleo como gasóleo e jet - estes últimos são produtos refinados de maior valor acrescentado -, naftas e GPL. A outra unidade instalada em Sines, após a reconversão em 2013, está centrada no fluid catalytic cracking. Esta reconversão permitiu que a refinaria de Sines se tornasse no que o setor energético denomina de refinaria complexa, ao contrário da de Matosinhos, que é considerada "simples", por estar muito focada no processo de destilação.

No ano passado, a Galp Energia apresentou resultados líquidos ajustados de 560 milhões de euros, um decréscimo de 21% face ao exercício de 2018. Já no terceiro trimestre deste ano, e fruto dos efeitos da pandemia, o grupo português registou um prejuízo de 45 milhões de euros, que compara os lucros de 403 milhões gerados em igual período de 2019.

Sónia Santos Pereira é jornalista do Dinheiro Vivo

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