Marx e Engels: crónica de uma utopia anunciada
Autor fascinante e controverso. Romantizado por uns, posto em causa por outros. Acima de tudo, essencial para o pensamento da sociedade moderna. Quer queiramos quer não, Marx continua a ser uma figura inigualável, que suscita renovada curiosidade. À procura de a satisfazer, pelo menos em parte, chega hoje às salas O Jovem Karl Marx, do haitiano Raoul Peck, realizador que esteve nomeado ao Óscar com o documentário I Am not Your Negro (era um dos favoritos à estatueta, e em maio vai marcar o encerramento do IndieLisboa).
Estreada no Festival de Berlim, e falada em alemão, francês e inglês, esta ficção em torno dos primeiros anos da vida intelectual de Marx surge como uma boa aragem em tempos de conturbadas dinâmicas políticas. Mais do que trabalhar com robustez as imagens em movimento, Peck preocupou-se em colocar as ideias em movimento (do ponto de vista geográfico e, naturalmente, social). E nisso teve um papel estruturante o argumento escrito a quatro mãos, por ele próprio e Pascal Bonitzer, à semelhança da dupla que redigiu o Manifesto Comunista, Marx e Engels.
Precisamente, é sobre o encontro dos dois ilustres filósofos, a descoberta mútua da complementaridade teórica, no clima agitado da industrialização europeia - anos 1840 - que trata O Jovem Karl Marx (nessa medida, talvez seja injusto centrar o título apenas num). Pelo meio, as suas vozes debatem-se sobretudo com as dos anarquistas Pierre Proudhon e Wilhelm Weitling. Mas o que o filme nos quer essencialmente mostrar é a força de uma amizade, e de como esta pode ser magnífica quando fortalecida por ideais. No quadro dramático, Marx é o único com família para sustentar, e uma mulher dedicada à causa, que acabará por formar um triunvirato com os amigos. Friedrich Engels, por sua vez, filho de um industrial, com uma simpática postura dandy, é aquele que vive a vida na nervura da juventude, namoriscando uma operária. Entre eles, um rio de conceitos substanciais acelera a corrente, críticas à "crítica da crítica" - como a certa altura alguém diz - até à celebração do Manifesto Comunista.
O Jovem Karl Marx é, assim, um agradável biopic, capaz de nos aliciar pela trave-mestra do brio intelectual, mas pouco destemido na execução narrativa. Falta-lhe sangue na guelra, que só nos créditos finais é restituído com a música Like a Rolling Stone de Bob Dylan, a envolver imagens de uma série de eventos políticos do século XX, que, esqueçam os clichés, não incluem Lenine ou Estaline. A partir das raízes de uma ideologia, Raoul Peck deixa em aberto o pensamento. Marx lança as bases, e o epílogo é perfeito.