Mariza esteve apoteótica em noite de nervos
\t\tO tão esperado concerto de Mariza no Pavilhão Atlântico não começou no palco, mas sim no ecrã gigante por cima do recinto. Imagens do filme Fados, do espanhol Carlos Saura, que é uma homenagem a esta música tradicional portuguesa e no qual Mariza participa.
Numa sala completamente lotada, às escuras, as imagens do filme obrigaram os 20 mil espectadores a esticar o pescoço e olhar para cima. Primeiro foi Fado Flamengo, em espanhol, com uma bailarina de vermelho. Depois apareceu pela primeira vez a própria Mariza , ou melhor, a projecção da sua imagem, cantando Meu Fado, em dueto com o espanhol, cantor de flamengo, Miguel Poveda.
Só depois, apenas com cinco minutos de atraso (que o fado tem hora marcada), Mariza entrou em palco, debaixo de holofotes, para o primeiro fado ao vivo.
Sem ondinhas no cabelo - muito branco de louro, descolorado - os muitos colares à volta do pescoço davam-lhe o ar étnico, a origem africana de que tanto se orgulha. Mas o vestido, com saia de dois folhos, negro até aos pés, mantinha o estilo tradicional do fado. Simples e eficaz, tal como o palco - os músicos da Orquestra Sinfonietta de Lisboa, a recortarem-se numa cortina imensa. Negra, claro.
Mariza começou por agradecer tanto "carinho", que, disse, a deixou "sem palavras". E depois, sob aplausos constantes, fez o melhor que sabe. Cantou fado. Mais ou menos tradicional. O dela, o já internacional que há pouco fez tremer as assistências em Los Angeles. Três fados depois do primeiro, todos do último disco, Mariza voltou a falar em vez de cantar. Falou das suas influências e, para não "demorar toda a noite", referiu apenas Fernando Maurício e, claro, a "única", Amália.
Tudo isto serviu para chamar ao palco o grande amigo e conselheiro, Carlos do Carmo. Primeiro para cantar um fado dela, com ela. Depois para ficar só, sem orquestra, para entoar o seu famoso Canoa. E para ouvir a primeira ovação da noite, de pé. "Miúda, tinhas a claque bem organizada para mim", agradeceu Carlos do Carmo, para cantar outro hit, Lisboa, Menina e Moça, já com ela a seu lado em palco, beijando-o como a um pai.
Era o primeiro dos cinco convidados da noite - seguiu-se o angolano Filipe Mukenga, antes dos cabo-verdianos Tito Paris e Ivans Lins -, numa noite de assombro que ela quis que fosse da lusofonia. Sobretudo quando cantou 'Sôdade', a canção imortalizada por Cesária Évora, que entoou em crioulo, com Mukenga e Paris. A prova de que há muito que o fado deixou de ser de Lisboa. É do mundo.