Marionetas humanas abrem festival Manobras

Até ao final de outubro, o festival Manobras percorre 13 municípios da zona centro do país. "Os Transportadores" são os anfitriões.
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Quatro personagens/gigantes e uma régie ambulante dentro de uma mota elétrica. São estes os elementos essenciais da peça Os Transportadores, uma criação da companhia Radar 360, que faz a abertura do Manobras - Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas que até 29 de outubro leva 14 espetáculos a 13 municípios da zona centro do país.

A Praça Marquês de Pombal, em Pombal, recebe hoje, pelas 22.00, o espetáculo que a companhia portuense criou em 2015 "num contexto de criação contemporânea multidisciplinar, resultado da primeira bolsa de criação Isabel Alves Costa", explica António Oliveira, diretor artístico e um dos fundadores da Radar 360, juntamente com Julieta Rodrigues.

O espetáculo cria "um universo quase futurista, um pouco pós-apocalíptico, que reflete sobre os excessos na sociedade - consumo compulsivo, materiais fúteis, a desinformação e o excesso de dados - e alguns fatores ambientais, como os oceanos de plástico, a extinção das espécies", conta António Oliveira. "E reflete sobre uma sociedade mais ou menos desorientada. Uma vez que utilizamos os gigantes, sentimo-nos com liberdade para abordar essas temáticas sem trazer uma moral à questão. Ou seja, como não somos humanos, acabamos por poder elevar o discurso e tocar em certos temas que nos parecem fazer parte de uma memória coletiva geral sem a lógica moral de estarmos a atribuir um significado mais humano a esta questão", refere.

O trabalho foi concebido em colaboração com o cenógrafo e artista plástico Hugo Ribeiro, "que explora ao máximo os materiais primários transformando-os quase em lixo decorativo". Um "lixo" que as quatro marionetas humanas gigantes acumulam e transportam e que ganham novas vidas com o recurso ao vídeo e ao som. "Esses elementos criam novas dimensões ao apropriarem-se dos materiais primários utilizados, atribuindo-lhes novos significados, como que levando esse lixo aumentado para uma dimensão poética através do vídeo e do som."

Uma carga poética que "resulta numa grande subjetividade para o espectador, tendo este a liberdade de escolher onde quer ver a cena", pois o espaço cénico e dos espectadores é o mesmo. "Acho que é isto que as artes de rua acrescentam no panorama da criação contemporânea: são quase um site specific, acabam por se apropriar da envolvência, do contexto, acabam por viver nesta relação entre o que a envolve, a dinâmica dos públicos e a dispersão dos personagens na cena", defende António Oliveira.

Por outro lado, este espetáculo itinerante tem ainda uma característica que torna cada apresentação única: incorpora o espaço público em que é apresentado. "Nós inspiramo-nos muito na dimensão da ruína e daquilo que seria o abandono que o homem faz em relação ao seu próprio património material. Esta ideia de que à medida que o tempo passa e que a erosão acontece, a ideia de ruína conserva em si uma dimensão quase fascinante e poética, sugere-nos a memória dos seus tempos e das suas vivências", explica o diretor artístico. Foi assim na quinta-feira à noite, em frene ao Mosteiro de Alcobaça, será assim hoje, na Praça Marquês de Pombal, em Pombal, e amanhã no Castelo de Abrantes.

Apagar as luzes das ruas, praças ou monumentos onde é encenado ou cortar o trânsito são algumas das exigências "para que o espectador tenha uma viagem imersiva e para que aquele espaço, naquele momento, tome outros significados".

Até 29 de outubro, são 14 os espetáculos que vão passar por Abrantes, Alcanena, Alcobaça, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Pombal, Santarém, Sesimbra, Sobral de Monte Agraço e Tomar.

Esta primeira edição do Manobras, que substitui, após oito edições, a Festa da Marioneta, significa um maior investimento na programação, financiamento conseguido através do programa comunitário Portugal 2020, na vertente de valorização do património. "A Artemrede e os programadores dos municípios associados consideraram que os espetáculos de marionetas poderiam entrar nessa lógica de programação", refere Marta Martins, diretora do Artemrede.

A programação está dividida em três secções: Manobras Nacionais, Manobras Internacionais e Manobras pelos Territórios. As Manobras Nacionais contam com três espetáculos e uma oficina de criadores portugueses, com propostas bem diferentes, que vão desde o circo contemporâneo a esculturas dentro de livros suspensas ou marionetas mais tradicionais que exploram a riqueza imaginativa da história de D. Quixote.

Marta Martins destaca a presença de quatro companhias na secção Manobras Internacionais, vindas da Holanda, de França e duas do Chile, surgindo a presença destas duas últimas no âmbito de uma colaboração com o Museu da Marioneta e com o apoio de Lisboa, Capital Ibero-Americana da Cultura.

Na secção Manobras pelos Territórios, com espetáculos que envolvem as comunidades locais e que se abrem a novas leituras do património material e imaterial, Marta Martins destaca os percursos que juntam espetáculos com visitas a diferentes locais históricos.

E dá como exemplo o percurso de 7 de outubro, no Tramagal (Abrantes), em que para além do espetáculo Geometrias do Diálogo, de teatro gestual, se junta a visita ao Museu Metalúrgica Duarte Ferreira e ainda a exibição do filme Ne Pas Couper, de António Pedro, uma encomenda do festival, que depois passará a integrar o acervo do museu.

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