Marion Cotillard dá vida ao cinema feminista e sensual de Nicole Garcia
Charme, charme e mais charme. A atriz e realizadora Nicole Garcia é uma sedutora. Seduz com a sua voz rouca, com a sua postura e com uma simpatia que desarma. Aos 71 anos continua a ter uma sensualidade muito francesa. Neste momento é das poucas cineastas francesas que continuam a acreditar num cinema do meio, aquele cinema que reclama a qualidade artística mas que continua a querer contar histórias para um público não necessariamente cinéfilo.
Quando a encontramos no Grand Hotel de l"Opera oferece-nos de imediato um café e explica que tem um encanto especial por Portugal. Um Instante de Amor é o seu oitavo filme, o quarto a estrear entre nós. Um Instante de Amor?, pergunta-nos. "Esse é o título em português?! Talvez revele demasiado. Eu nas entrevistas nunca gosto de contar nada sobre os segredos dos filmes. Bem, esse é um título que revela um bocado do segredo, mas, por outro lado, não está mal. Esta é uma história de uma mulher que procura o amor e que está a tentar encontrar algo que todos recusam. Quando ela provoca um escândalo naquela pequena sociedade normativa dos anos 1950, dizem que está louca, quando na verdade apenas quer ser amada. Ela quer o amor sensual e o sagrado, tudo ao mesmo tempo." Insistimos: não será a mesma coisa? "Sim, é exatamente a mesma coisa. Curioso achar isso e ser um homem." Pois, para Garcia o cinema e o seu discurso passam sempre por uma afirmação dos direitos das mulheres e da condição feminina. Há quem olhe para ela como uma feminista de saltos altos, sempre próxima da investigação do desejo sexual feminino. Se olharmos para obras como Place Vendôme ou Um Belo Domingo, está lá essa formal procura.
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Em Um Instante de Amor, a personagem de Marion Cotillard tem precisamente o desejo à flor da pele, coisa que para os outros é desordem. Para Garcia, o desafio de adaptar o romance Mal de Pierres, de Milena Agus, era esse mesmo. A heroína romântica aqui tem coragem para dizer ao marido escolhido que não o ama: "sim, ela é de uma sinceridade inapelável! E é uma mulher que surpreende sempre - nunca sabemos o que vai fazer." Garcia conta-nos ainda que adaptar Agus foi da ordem da saga: "Fizemos muitos cortes temporalmente, sobretudo porque optámos por não começar com a personagem velha. Na verdade, contamos apenas 17 anos da vida desta mulher e preferi começar com a personagem nos seus 40 anos."
A dada altura atiramos para a conversa o seu lugar no panorama atual do cinema francês. Será que a cineasta sente que faz um cinema contra a maré? "Sim, este Um Instante de Amor é o grande romanesco, o clássico no melhor sentido da palavra. É raro hoje encontramos histórias assim, ainda que aqui também se procure mostrar o que era socialmente a França dos anos 1950. O Sul da França nessa altura foi muito construído pelos espanhóis que para cá emigraram em função do franquismo. Ao mesmo tempo, por muito clássico que este filme seja, tem uma protagonista subversiva."
Outro dos golpes de coração do filme, além da evidente e infalível Marion Cotillard, é Louis Garrel no papel do soldado triste e sensível por quem a personagem principal se apaixona. Uma escolha de casting que é em si mesmo um triunfo surpreendente. Temos um Garrel sóbrio e discreto como nunca o vimos: "Creio que ele tinha o porte certo para ser um filho da grande burguesia, mas o que Louis faz é mesmo a grande performance. A sua personagem é o escape de sonho para a personagem de Marion." Marion, precisamente a atriz mais ocupada do cinema francês (e não só). Marion Cotillard que já disse publicamente que não volta a querer fazer tantos filmes de seguida. A sua agenda cheia fez esperar a produção deste filme. Garcia só queria mesmo filmar com ela: "Quando li o livro da Milena dei-o logo a ler à Marion. Isso foi há muito tempo e ela depois disse-me que não teve tempo de o ler e em seguida passei-lhe o argumento e foi aí que aceitou o papel. A verdade é que recebe melhores propostas aqui na Europa do que em Hollywood."
Na despedida solta uma frase que não nos sai da cabeça: "Não sou romântica, gosto é do romanesco, não é a mesma coisa. É que o romanesco pode ser áspero, violento e duro. Neste meu filme a personagem é completamente do romanesco e carrega consigo toda uma carga geográfica em virtude de vir do Mediterrâneo e dos Alpes. Nesse sentido, aquele Sul de França é muito mais do que um décor. Por isso, a Marion aqui assusta os homens, sobretudo com a sua brusquidão feminina, exceto aqueles que foram à guerra e que já viram a morte. Portanto, temos uma mulher entre dois homens com o trauma da guerra." Antes de um beijinho final, a realizadora deixa cair um segredo: a personagem do marido espanhol, interpretada por Àlex Brendemuhl, esteve para ser interpretada por Javier Bardem, que na altura estava a rodar com Sean Penn The Last Face, na África do Sul, ou por Javier Cámara, ator de Fala com Ela.
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