Mário Nogueira

O líder da Fenprof que queria ser matemático.<br />
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O líder da Fenprof só foi professor porque o serviço cívico de 1975 lhe desviou o rumo que pretendia seguir: matricular-se em Matemática na Universidade de Coimbra. Antes de aderir ao PCP, o antigo escuteiro e espeleólogo de Tomar até apoiou a primeira candidatura presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho.

Cem mil! Ao ver a maior manifestação de docentes de que tem notícia no mundo a desfilar por Lisboa, Mário Nogueira podia ter sorrido ao pensar no que lhe dizia o seu mestre da instrução primária em Tomar: "Os professores são tão maltratados neste país que, se algum de vocês for para professor, puxo-lhe as orelhas."

A vida e a História acabariam por definir a carreira do aluno do professor Couto, que decidiu entrar na Escola do Magistério do Ensino Primário de Coimbra, em 1975, para evitar o serviço cívico (um ano de trabalho em prol da colectividade que antecedeu o ano propedêutico, que acabaria por ser o percursor do 12.º ano). Falhou, assim, o curso de Matemática que pretendia seguir nos tempos em que jogava bilhar no café Paraíso e construía cozinhas de campo nos escuteiros, crescia ao som dos Pink Floyd e dos Led Zeppelin e via filmes como o Ben-Hur, descia às grutas com outros espeleólogos e praticava natação no Sporting de Tomar.

Mário Oliveira Nogueira nasceu em Tomar, a 11 em Janeiro de 1958. Filho único, morava mesmo no centro da cidade, junto à "ponte do camelo" sobre o Nabão, que dividia as freguesias e as bandas rivais da Filarmónica Gualdim Pais e da Sociedade Filarmónica Nabantina.

O pai, ligado ao ramo de vendas de uma cadeia de supermercados, mesmo se não havia o hábito de discutir política lá em casa, entregava clandestinamente propaganda da CDE e resmungava sempre que Salazar ou Marcelo apareciam na televisão. E preferiu que o filho fosse para os escuteiros do que andasse nas actividades obrigatórias da Mocidade Portuguesa. Na cidade dos templários, onde Mário Nogueira mantém as amizades da juventude, mostrava-se às namoradas ou aos turistas o segredo de Gualdim Pais, que mais não era que um pedaço da espada que, vista de certo lado da estátua, tinha um aspecto fálico.

A vida em Coimbra no final da década de 70, em que se discutiam os filmes de Truffaut e de Fellini à saída do Teatro Gil Vicente e era hábito estudar nos cafés - Mário Nogueira frequentava o Internacional e o Parque quando andava às voltas com os livros, porque para tertúlias preferia o Tropical e a Clepsidra (que ficava debaixo da sede da UEC) -, ligou-o definitivamente à cidade.

No âmbito das suas actividades na Associação de Estudantes da Escola do Magistério Primário acabaria por conhecer a sua mulher, que também estava envolvida na associação da Escola de Educadoras de Infância. Casaram em 1979 e o seu único filho, nascido em 1982 e hoje médico, foi tantos anos praticante de hóquei em patins que Mário Nogueira também acabaria por ser dirigente da secção de patinagem da Associação Académica de Coimbra.

Já estava casado quando teve de cumprir o serviço militar e foi colocado na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde a única especialidade que lhe permitia a transferência para Coimbra era a Polícia do Exército. E foi assim que, entre diversas tarefas, acompanhou os pides a julgamento - e assistiu a casos em que os louvores na folha de serviço da polícia política eram considerados como atenuantes .

Politicamente, depois de ter apoiado os GDUP (Grupos Dinamizadores de Unidade Popular, frente que juntou UDP, MES, FSP e PRP) e a primeira candidatura presidencial de Otelo, acabaria por aderir à União dos Estudantes Comunistas (UEC), em 1977, tendo participado no congresso no pavilhão Carlos Lopes, onde o principal orador era "o Cunhal dos pequeninos", a alcunha de Pina Moura.

Apesar de nunca ter integrado os órgãos do PCP, foi cabeça de lista da CDU em Coimbra nas legislativas de 1999 - o ano de Santana Lopes e de Manuel Alegre - e de 2005 - quando concorreram Matilde Sousa Franco (PS), Zita Seabra (PSD), Nobre Guedes (CDS-PP) e José Manuel Pureza (BE). Ainda foi deputado municipal e mandatário nacional da candidatura presidencial de Jerónimo de Sousa.

Entretanto, resolveu licenciar-se e chegou a estar matriculado em Economia. Na época, era professor efectivo em Soure e só conseguia assistir a algumas aulas ao fim da tarde. Azar! Àquela hora, podia frequentar cadeiras como História Económica e Social, que poderia estudar pelos livros; mas não as de Matemática ou de Estatística, que exigiam frequência. Resolveu ir completar antes a licenciatura na actual Escola Superior de Educação e fez as 27 (!) cadeiras que lhe faltavam.

Agora, que a eleição como líder da Fenprof o obriga a viver num hotel em Lisboa, vai vibrando com os resultados do Sporting, lê livros como A Mancha Humana (Philip Roth) ou As Intermitências da Morte (Saramago), dá longos passeios a ouvir Maria Rita ou Mariza e vai respondendo, com ar risonho, aos mais de 1300 e-mails que se acumularam em dois meses. E, de vez em quando, deve-lhe vir à memória aquela imagem da manifestação: cem mil!

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