Mário Mesquita por Mário Mesquita. "Político, jornalista, professor?"

Em novembro de 2021, Mário Mesquita recebeu o título de Doutor Honoris Causa na Universidade Lusófona do Porto. Da alocução que fez reproduzimos excertos.
Publicado a
Atualizado a

Quem és tu, Mário António da Mota Mesquita? Político, jornalista, professor? Talvez um pouco de tudo, talvez pouco ou nada. A política apaixonou-me na juventude, sobretudo em São Miguel, quando se tratava de defender com gestos a emergência da democracia, mas o jornalismo era a minha vocação. Ainda estudante liceal, na década de 1960, a minha ambição era o jornalismo, o que causava preocupação à família - na minha e em muitas outras - porque a profissão possuía reduzido prestígio social e, no caso açoriano, só na rádio existia de forma autónoma e profissionalizada. O que seria o jornalismo para o jovem Mesquita nos anos sessenta do século XX? A sedução das velhas micro-redações dos três diários e dois semanários de Ponta Delgada? O gosto pela escrita, pelo comentário, pela reportagem? A vontade de intervir na política, apesar da existência da censura? Seguramente um pouco de tudo isto...[...] Político, jornalista, professor?

Vou retomar o que disse há meses na Gulbenkian. A política apaixonou-me na juventude, sobretudo em São Miguel, quando se tratava de lutar com gestos inequívocos pela democracia, mas o jornalismo era a minha vocação. O meu percurso - digo percurso, e não carreira - passou primeiro pelo jornalismo e pela política e, nesta, tive a honra de ser deputado à Assembleia Constituinte. Depois enveredei pelo ensino universitário e pelo colunismo, mas acabei por ser mais anos professor e investigador do que jornalista, embora acredite que no necrológio dirão - e dirão bem - que "faleceu o jornalista Mário Mesquita que, distraído como era, deixou caducar a carteira profissional". Em síntese, não optei por nenhuma dessas profissões, fui seguindo o longo curso da vida.

A política foi-se progressivamente tornando mais distante para mim - e com isso não quero diminuir, mas antes enaltecer os que nela prosseguem, por ser cada vez mais dura e agreste. Troquei o jornalismo profissional e quotidiano pelo colunista semanal que simultaneamente era professor, sua profissão principal. Ninguém sintetizou melhor essa opção profissional do que o académico e jornalista Jacques Julliard, ao dizer que o jornalismo, além de corresponder a um sonho da juventude, também foi uma forma de escapar à profissão política, continuando a ela ligado, como observador e intérprete. Declinei a possibilidade de optar por político profissional que me foi aberta por Mário Soares, outra referência da minha vida, logo em 1974, embora manifestando o desejo de permanecer ligado à política mas sem fazer dela profissão. [...]

Porque gosto de citar, e com isso prestar homenagem aos que conseguem formular uma ideia melhor do que eu, recorro a Tony Judt que, ao referir-se ao atual estado do jornalismo, disse: "A coragem moral necessária para ter uma opinião diferente e impô-la a leitores irritados ou ouvintes insensíveis continua em todo o lado a ser pouca". E concluo brindando, sem champanhe, às pessoas resilientes que mantêm vivo no jornalismo o espírito crítico e a vocação de heterodoxia."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt