Centeno: "Não chegámos à crise pandémica sem o trabalho de casa feito"

Governador do Banco de Portugal assinalou que as empresas não financeiras nacional sofreram uma "transformação única e em si mesmo inédita" desde o ponto mais baixo da crise da dívida soberana. Esta transformação das empresas ajudou a que a economia nacional não tenha sido apanhada desprevenida pela crise económica gerada pela pandemia.
Publicado a
Atualizado a

Quando em março deste ano a economia nacional foi assolada pela pandemia, o que gerou uma crise económica, a economia nacional não foi apanhada desprevenida. O trabalho de casa estava feito defendeu o governador do Banco de Portugal, durante a Money Conference, nesta sexta-feira, 20 de novembro.

"As empresas não financeiras representam um universo de mais de um milhão e trezentas mil empresas. Desde o ponto mais baixo da crise de dívida soberana (2013 para a generalidade dos indicadores), este enorme universo produtivo teve uma transformação única e em si mesmo inédita. Inédita porque acrescentou sustentabilidade a setores produtivos que muitos diziam que não conseguiriam promover a convergência da economia portuguesa com as médias europeias", disse Mário Centeno.

A crise da dívida soberana que assolou Portugal durante o início desta década, e que levou o País a pedir um resgate às instituições internacionais, tinha características diferentes da atual. Não atingiu todos os países da Europa, o que significa que muitos dos parceiros comerciais de Portugal continuavam ativos e a absorver os bens e serviços nacionais. A capacidade produtiva das empresas podia assim continuar a acelerar.

"O VAB cresceu 43%, o Excedente Bruto de Exploração mais de 50%. Este aumento da atividade e dos resultados foi conseguido com a conjugação simultânea de dois fatores inusuais: um aumento massivo do investimento, com mais 113% de FBCF (o investimento privado mais do que duplicou) e uma redução do rácio da Dívida sobre o Ativo, que caiu mais de 53 pontos percentuais. E as empresas tornaram-se mais eficientes, com a Produtividade do Trabalho a crescer 15%", indicou.

Mário Centeno indicou que, "este crescimento foi inclusivo, ou seja, contou com o emprego e as remunerações. Na verdade, o número de pessoas ao serviço nestas empresas aumentou 25% e as remunerações totais 41%, em apenas seis anos".

Salientando que foi com este crescimento que Portugal chegou ao final do ano passado, algo que se deve "ao esforço das empresas portuguesas". "Não chegámos à crise pandémica sem o trabalho de casa feito. Podemos continuar a negar o país que temos, mas isso só ajuda os demais, não os portugueses", garantiu o ex-ministro das Finanças.

"Foi, aliás, com estes números, que superam os indicadores anteriores à crise financeira de forma muito alargada, que chegámos ao final de 2019. Ou seja, chegámos ao início de 2020 com uma dinâmica empresarial única em Portugal. Esta dinâmica é explicada pelo que aconteceu nas PME. O investimento das PME aumentou 131% e a produtividade 23%", acrescentou.

Mário Centeno não esconde que há muitos setores em que a transformação que sofreram nos últimos cinco anos é clara, apesar de ser atualmente também os setores mais afetados pela crise. "O aumento da produtividade foi maior nos setores mais atingidos pela crise pandémica: 50% no Alojamento e Restauração; 52% no Imobiliário; 32% na Indústria Transformadora e 26% no Comércio. A desalavancagem foi particularmente forte no Comércio e no Imobiliário".

A chegada da pandemia colocou "um travão" à evolução que alguns destes setores estavam a registar, e que muito ajudaram ao crescimento económico do País nos últimos anos. "Este travão foi severo, mas será temporário se conseguirmos manter a capacidade produtiva e estivermos preparados, e já demonstrámos a partir de junho que estávamos, para retomar a atividade por completo. Temos que estar conscientes de que a médio prazo, o sobre-endividamento pode levar à redução do investimento, enfraquecendo a competitividade e o crescimento económico".

O governador do Banco de Portugal sublinhou, ainda assim, que é preciso assegurar a resiliência do sistema bancário, uma vez que provavelmente a banca poderá enfrentar um aumento nas perdas de crédito. "Por um lado, as entidades bancárias começaram desde logo a provisionar os riscos de crédito, dando assim um passo prudencial adequado. Mas, por outro lado, o sistema bancário continua a enfrentar problemas de rentabilidade e tem de responder aos desafios provocados pela digitalização. As soluções para estes desafios não devem ter apenas origem em cada um dos países, mas deverão ter um enfoque europeu", disse.

A banca deve também fazer o seu trabalho. "O setor bancário resistiu bastante bem à crise até ao momento, apesar de uma série de riscos e vulnerabilidades. Ajudou a absorver o choque e evitou uma crise de crédito que teria sido prejudicial para a economia. Mas não devemos perder de vista as principais fraquezas estruturais do setor bancário europeu, que eram evidentes antes desta crise. É preciso continuar a reduzir o excesso de capacidade e a melhorar a relação custo-eficácia para fazer face à baixa rentabilidade, procurando modelos de negócio que respondam a uma economia cada vez mais digital".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt