Marinha Grande. A polémica mudança de local do monumento ao vidreiro
Um monumento inaugurado em 1984, da autoria do escultor Joaquim Correia (a quem de resto a Marinha Grande dedicou um museu) está prestes a mudar de local. Evoca a revolta dos operários vidreiros a 18 de janeiro de 1934, e a mudança promete ser tudo menos pacífica.
O presidente da Câmara, Aurélio Ferreira, eleito em setembro último, lembra ao DN que o monumento foi criado "para ter uma zona aprazível, com painéis laterais de fácil visualização, e que as pessoas possam ver muito de perto. Quando a obra ficou pronta, o artista tinha-a concebido para que ficasse virada para a rotunda do vidreiro, no local que ficava do lado do parque Mártires do Colonialismo. Acontece que aquele espaço não estava pronto na altura - ficou muito mais tarde - e por isso foi colocado no centro da rotunda do vidreiro". Esta é a justificação do autarca, que na última reunião de Câmara levou o assunto à discussão, extra-agenda, numa altura em que a estátua se encontra em Gaia, numa empresa especializada, para recuperação e adaptação a bronze.
"Os painéis laterais ainda eram em pedra e já estavam a ficar muito degradados. De forma que a ideia é colocar o monumento no local para onde ele foi concebido", sublinha Aurélio Ferreira, que assegura ter falado com o filho do escultor, e esse ter-lhe-á transmitido "quanto o pai lamentava ver a peça escultórica no meio da rotunda, "perdendo-se" um pouco ali". "Ao contrário, naquela meia lua, fica muito mais próxima das pessoas, dando a possibilidade de chegarem perto, o que não acontece na rotunda", frisa o autarca, acreditando que, mudando a estátua de lugar, ela terá "muito mais visibilidade". Mas sabe que não é impunemente que esta mudança vai acontecer. Porém, ainda não avança com uma data para a colocação da estátua no novo local. "A obra era para estar pronta já há dois ou três meses atrás, mas ainda não está. Fizemos uma visita à empresa e apercebemo-nos que eles não têm matéria prima para poder fundir as placas", adianta o presidente, cujo objetivo era ter o monumento pronto no aniversário do 18 de Janeiro.
A mudança da estátua foi decidida no mandato anterior, quando Aurélio Ferreira era ainda vereador da oposição. E foi então decidida por unanimidade. Alexandra Dengucho e Lara Lino também já eram vereadoras eleitas pela CDU, as mesmas que agora votaram contra a mudança de local. "Da primeira vez não houve discussão do assunto. Foi aprovada no meio de outra discussão, vinha disfarçada no meio de outras coisas. Aprovamos a requalificação da adutora de águas, que implicava a requalificação da estátua também", admite ao DN Alexandra Dengucho, candidata da CDU nas duas últimas eleições autárquicas, tal como Aurélio Ferreira, que enaltece o facto do presidente ter colocado o assunto em discussão, "para se perceber o que cada um pensa sobre o assunto".
De resto, a vereadora sublinha que "não é pelo facto de um movimento ou um partido ganhar as eleições que o povo fica com uma mordaça na boca e tem que aceitar tudo o que se decide". E por isso insiste na importância de manter a estátua no seu local de origem. "Entendemos que o monumento fica devidamente valorizado se estiver no centro da rotunda. Ele sempre esteve ali. Homenageia a luta dos trabalhadores. Só no centro da rotunda é que tem essa valorização. São razões históricas, de visibilidade. Quando queremos valorizar alguém, colocamos num cantinho? Não! Mudando-o para o local que se quer fica arredado do centro das atenções. Porque na nossa opinião o que está em causa é arredar o movimento vidreiro. Aos poucos vamos apagando a história", considera Alexandra Dengucho, referindo-se ao que aconteceu também com a avenida, que também se chamava do vidreiro, e passou a chamar-se Vítor Galo.
Etelvina Rosa estima que ainda resistam na Marinha Grande cerca de 1400 operários vidreiros, afetos sobretudo a quatro grandes empresas: BA Vidro, Santos Barosa, Galo Vidro e Crisal. "É uma falsa ideia essa que se criou de que na Marinha Grande o que domina são os moldes e não o vidro. Na verdade, há muitas empresas de moldes, mas são pequenas empresas, com meia dúzia de trabalhadores. Quem ainda emprega muita gente é o vidro", diz ao DN a coordenadora nacional do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira. Ocupa o cargo desde 2013, desempenha ali funções de 2005, mas fez-se operária do vidro meses antes da revolução de Abril, na mítica Manuel Pereira Roldão.
Quando o STIV tomou conhecimento da decisão da Câmara da Marinha Grande, também tomou posição sobre ela. Num comunicado enviado ao DN ao início desta semana, a direção do sindicato "manifesta a sua total discordância da decisão de retirar o Monumento ao 18 de Janeiro do centro da Rotunda do Vidreiro", e lembra que "quando da sua inauguração há trinta e sete anos, muitos dos participantes na revolta se sentiram valorizados pela bela obra do marinhense Joaquim Correia, que ficaria em local nobre, com todo o significado para as futuras gerações, que mantêm a sua identidade de classe operária".
No comunicado, o STIV refere ainda que tudo fará para que o Monumento ao Vidreiro permaneça no local emblemático onde sempre esteve "e deve continuar a estar". Por outro lado, a direção do STIV, invoca algumas "justas opiniões" entretanto ouvidas, no sentido de que "os obreiros do 18 de Janeiro de 1934 devem ficar referenciados para o futuro, e por isso sugere que em 2024 - quando se comemoram 90 anos da revolta dos operários na Marinha Grande - seja inaugurado um memorial com todos os nomes dos participantes "e aí sim, seja colocado na meia-lua, junto ao parque".