Mariia Maas criou um corredor de evacuação a partir de Hostomel, onde nunca existiu um verdadeiro corredor humanitário desde o início da invasão russa, a 24 de fevereiro. Há relatos de que dezenas de ucranianos foram mortos ao tentar fugir da cidade e que os soldados russos têm disparado sobre civis e sobre carros com a inscrição "Crianças"..Hostomel por agora é um inferno de onde todos querem sair. A norte de Kiev, esta cidade foi tomada pelos russos logo no início da guerra. Apenas a bravura desta mulher, que deu literalmente o corpo às balas, permitiu que fosse possível uma fuga bem sucedida. Mariia caminhou à frente de uma carrinha, de braços levantados, por vários checkpoints russos até saírem de Hostomel. No primeiro dia que tentaram não conseguiram e no segundo a carrinha ficou sem bateria. Nessa altura, Mariia (que é natural de Donetsk, de onde saiu em 2014 para fugir à guerra, tendo agora voltado a reencontrá-la em Hostomel) foi ter com um blindado com a bandeira russa e pediu ajuda. Apontaram-lhe uma arma mas ajudaram-na. Disseram-lhe que era melhor seguir para a Bielorússia porque ia ser morta em Kiev e indicaram-lhe o caminho a seguir. Mas valeu de pouco porque, mesmo assim, mais à frente dispararam sobre a carrinha..No veículo seguia o seu filho, El"dar, e várias pessoas e animais, "todos os que cabiam". Estavam com as janelas tapadas e foi apenas por milagre que ninguém morreu. "Os soldados ainda disparam várias vezes", afirma Mariia, enquanto mostra fotografias dos furos das balas do veículo no telemóvel. "A minha missão que era salvar o meu filho. Ele tem uma doença rara, a síndrome de Rothmund-Thomson. Tinha uma operação marcada para 27 de Fevereiro. Não podia esperar mais pois ele morria"..Em Hostomel não há água, eletricidade ou gás. Só em algumas zonas é possível ter sinal de telemóvel. A água é retirada de poços com a ajuda de vizinhos e o gás é cedido por outros que tinham botijas de campismo. "Dependíamos uns dos outros pois nenhuma ajuda humanitária chega a Hostomel. Nada. Nem comida, nem mediamentos. Os soldados russos já dispararam sobre ambulâncias, ninguém quer lá entrar. Carregávamos os telemóveis com baterias dos carros e bebíamos água dos poços. Sozinhos morreríamos. Tínhamos de nos ajudar uns aos outros.".A carrinha que usou foi-lhe dada pela filha do presidente da câmara que terá sido morto por soldados russos. Mariia tentou todas as ajudas possíveis até encontrar esta alternativa. Por desespero, dado o estado de saúde do seu filho, chegou mesmo a exigir aos soldados russos, que tinham invadido a sua casa para deixarem o equipamento militar, que a ajudassem a limpar o poço que estavam a usar para beber água, o que fizeram. Outros civis não tiveram a mesma a sorte. "Vi-os a disparar sobre civis, mataram uma mãe à frente dos filhos na casa em frente da minha", conta..Mais tarde os soldados ucranianos vieram proteger aquela parte da cidade mas no início muitas atrocidades terão tido lugar..A verdade é nunca houve um corredor humanitário que fosse seguro. "Eu tentei uma vez e tive que voltar para trás só à segunda tentativa conseguimos avançar e demorámos 12 horas até Kiev, um percurso de 25km. Fiz tudo pelo meu filho. Agora que penso nisso, nem sei de onde tirei tanta coragem e força. Só queria sair dali", diz Mariia entre lágrimas. Alguns soldados russos pediram-lhe o telemóvel para ligar às mulheres. "Vários têm consciência que é uma invasão injusta e na verdade não querem estar ali, mas se deixarem de cumprir ordens são mortos pelos superiores hierárquicos"..Mariia conseguiu sair de Hostomel no dia 14 de Março. Está deste então no hospital de crianças em Kiev (Ohmatdyt). Ivan Ivanovich, de 83 anos, também de Hostomel, e que Mariia reconheceu num abrigo onde passou vários dias antes da fuga, ficou com o braço direito partido devido a estilhaços depois de a casa ao lado da sua ter sido bombardeada. Ivan diz que não percebe esta guerra. "Porque que fazem isto às crianças, porquê?" pergunta. Na cama ao lado de Mariia e El"dar está Mihail, de 9 anos, e o seu pai, Yura. Ambos são de Demydiv, uma aldeia na região de Vyshhorod, a norte de Kiev, que foi bombardeada por rockets e morteiros russos..Chegaram a Kiev há poucos dias para tratar Mihail. Feriu-se na mão esquerda enquanto tentava cortar lenha com um machado, para ajudar o pai. Yura conta que há vários dias que estavam a beber água do rio e a aquecerem-se com a lenha que cortavam. Nesta aldeia, o fornecimento de eletricidade, água e gás foram também cortados. Naquela situação, Yura correu para tentar salvar o seu filho e os soldados russos deixaram-no passar. Alguns quilómetros depois encontrou um ponto de ajuda polaco num checkpoint ucraniano que lhe conseguiu arranjar transporte para Kiev. Mihail perdeu duas falanges de dois dedos da mão esquerda e desde então fala muito pouco. Ohmatdyt, embora seja um hospital de crianças, tem recebidos outros doentes e feridos desde que a guerra começou. O drama que se vive à volta de Kiev, em Irpin, Bucha e Hostomel, e outras aldeias, é demasiado e todos os hospitais são importantes nesta rede que vai prestando cuidados à população.