Marielle Franco. Quatro anos de luto e de perguntas
Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, e Anderson Gomes, motorista, foram assassinados há quatro anos, a 14 de março de 2018, mas a polícia ainda não sabe quem os mandou matar. Essa é a principal dúvida, entre outras, que atormenta as famílias enlutadas e a política carioca e brasileira.
Os cinco delegados de polícia e os dez promotores do ministério público que passaram pelo caso afirmam ter descoberto "a dinâmica" do que se passou naquela noite de 14 de março no bairro do Estácio, no Rio, e denunciaram dois ex-polícias com ligação às milícias (a máfia da cidade) como autores materiais do crime - Ronnie Lessa e Élcio Queiroz -, detidos há três anos.
Falta saber quem os mandou matar, se houve motivação política, onde está a arma do crime e, cada vez mais, qual a razão para tanta demora em se chegar a uma conclusão.
As duas primeiras perguntas estão interligadas - conhecendo-se o autor moral, saber-se-ão as razões. Para já, o ministério público acredita que o crime foi político, tendo em conta a expressiva votação de Marielle, do PSOL, partido de esquerda.
Cristiano Girão, ex-vereador e ex-chefe da milícia da Gardênia Azul, e Domingos Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado, foram nomes citados. O primeiro está preso por um outro crime no qual o operacional foi Ronnie Lessa e o segundo chegou a receber uma denúncia da Procuradoria Geral da República no Caso Marielle por obstrução das investigações. Ambos negam participação nos assassinatos.
Já a polícia não acredita em motivação política. "Não se trata de questão política na ótica da polícia. Nós encaramos como um crime seríssimo, um crime absolutamente cobarde em que duas pessoas perderam a vida. O que existe é um caso complexo", afirmou Henrique Damasceno, diretor do Departamento de Homicídios, citado pelo portal G1.
A arma do crime - uma submetralhadora MP-5 com munição UZZ-18 - ainda não foi encontrada. Segundo uma testemunha, pessoas ligadas a Lessa teriam atirado seis armas, uma mala e um caixa de papelão ao mar no dia seguinte ao crime.
Quanto à demora para a conclusão, "a complexidade" do caso e "o profissionalismo" dos investigadores são os culpados, diz o coordenador Bruno Gangoni.
Segundo o G1, o ministério público só recebeu da Polícia Civil 1300 fotos e vídeos novas do caso na terça-feira, dia 8. Esse material foi agregado a outros 1.500 arquivos que já estavam com os promotores desde 2018. São imagens de câmeras de segurança - da Prefeitura, de prédios e hotéis - da altura do crime.
O material apreendido na casa de Lessa quando ele foi preso, documentos, computadores e cartões de memória, também só foi entregue ao ministério público no mesmo dia.
Além disso, o MP voltou a investigar uma antiga informação descartada no início do caso: a possibilidade de um segundo carro ter dado apoio ao veículo modelo Cobalt usado pelos criminosos.
Marielle chegou à Casa das Pretas, na rua dos Inválidos, no bairro da Lapa, no Rio, para mediar um debate promovido pelo PSOL com jovens negras, por volta das 19 horas. Segundo imagens obtidas pela polícia, um Cobalt com matrícula de Nova Iguaçu, nos arredores da cidade, estava parado próximo ao local. Por volta das 21h, Marielle deixou o evento com uma assessora, Fernanda Chaves, e o motorista, Anderson, sendo seguida pelo carro por quatro quilómetros. Pouco antes das 21.30, na Rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, um veículo emparelhou com o carro de Marielle e fez treze disparos. Quatro acertaram o vidro. A vereadora foi atingida por três tiros na cabeça e um no pescoço e o motorista levou três tiros nas costas. A assessora foi apenas atingida por estilhaços.
Em entrevista ao DN um ano após o crime, Fernanda Chaves dizia sentir-se "aterrorizada" . "Se não sabemos quem cometeu, não sabemos de quem nos proteger", disse. Quatro anos depois, continua a viver em local não divulgado e sob vigilância.
A segunda-feira que assinala os quatro anos do crime foi marcada por atos no Rio. De manhã, os advogados das famílias da parlamentar e do motorista protocolaram um mandado de segurança no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para que as informações dos autos de investigação sobre os mandantes do assassinato sejam compartilhadas.
"Entendemos que o Estado brasileiro tem a obrigação de fazer cumprir o direito das famílias das vítimas participarem de maneira formal e efetiva da investigação", disseram o defensor público Fábio Amado, representante das famílias de Marielle e de Anderson, e a advogada Luciana Pivato e Giane Álvares, representantes de Mônica Benício, viúva de Marielle.
Simultaneamente, a Amnistia Internacional fez uma intervenção urbana com uma instalação de mais de dois metros de altura, em frente à Câmara dos Vereadores, no centro do Rio, a simular o processo judicial inconclusivo, até agora.
Além disso, está programada uma missa em homenagem às vítimas, que será celebrada na Igreja da Candelária.