O projecto de Proposta de Lei de Bases da Saúde, elaborado pela Comissão criada por despacho do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, de 31 de Janeiro deste ano, decorreu de uma leitura constitucional global e integrada das previsões que envolvem e enquadram o direito à protecção da saúde. O projecto tem ainda em conta o modo como as jurisprudências internacional e constitucional densificam o direito à protecção da saúde enquanto direito humano na ordem internacional e enquanto direito fundamental na ordem interna..O projecto reflecte a natureza não exaustiva de uma lei de bases e beneficiou dos contributos colhidos em sede de audições e discussão pública..Ao contrário da Lei de Bases ainda em vigor em que o "utente" surge como elemento da relação jurídica em contexto de saúde , o projecto centra-se na primazia da dignidade e dos direitos das pessoas em contexto de saúde dando a estas total centralidade . A par da importância social que é seu atributo, enquanto correctora de desigualdades e indutora da coesão, assume-se a importância da saúde para a economia não só pelos níveis de produtividade que proporciona mas também pela investigação indutora de conhecimento e de criação de valor que produz..Na linha da "saúde em todas as políticas", é valorizada a importância das determinantes económicas, sociais, culturais, ambientais e laborais na efectivação do direito à protecção da saúde ao longo da vida, em particular para melhorar o indicador de esperança de vida saúde a partir dos 65 anos, o único em que comparamos mal em termos internacionais..Os direitos e deveres das pessoas em contexto de saúde são densificados, reconhece-se o direito de associação e representação junto dos serviços de saúde e é promovido o reconhecimento do papel do cuidador informal..A saúde pública é o eixo central da política de saúde não podendo esta incidir apenas na prestação de cuidados..Determina-se a avaliação de impacto na saúde pública das diferentes políticas e reconhece-se especificamente a relevância da saúde mental, da genómica, da saúde ocupacional, da educação e da literacia para a saúde..Afirma-se o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como a garantia primeira do direito à protecção da saúde, estabelecem-se os seus princípios e características e assume-se a integração de cuidados e o funcionamento em rede como o modelo prestador..Prevê-se a articulação com os sectores da economia social e privado numa concentração de esforços para alcançar mais ganhos em saúde..O projecto assume a separação e a cooperação, mas reclama uma gestão transparente, eficiente e criteriosa dos recursos disponíveis, subordinando a critérios de necessidade e de rigor o recurso aos outros sectores para a realização de prestações públicas quando tal opção for a mais eficaz, eficiente e económica para garantir o acesso atempado às adequadas prestações de saúde..Reconhece-se a importância da criação de planos locais de saúde e de sistemas locais de saúde que visem a prevenção da doença, a promoção e a protecção da saúde, a proximidade e a continuidade de cuidados e a utilização socialmente útil dos recursos disponíveis..A integração em rede dos profissionais através das tecnologias de informação, a escolha dos titulares dos órgãos realizada de acordo com critérios de mérito, os limites às taxas moderadoras, a avaliação periódica das prestações públicas de saúde e a importância das tecnologias da saúde, da inovação e da saúde digital são reconhecidas..Determina-se uma nova e diferente gestão pública, dinâmica e flexível cujos modelos de organização e prestação se adequem à natureza da actividade, à epidemiologia e às condições geográficas locais..Quanto ao financiamento, ele assenta numa matriz solidária, propõe-se uma aproximação progressiva aos valores da média da despesa per capita na União Europeia, devendo o financiamento adicional ser orientado designadamente para a promoção da saúde e prevenção da doença e a modernização de equipamentos, tecnologias e sistemas de informação ao serviço de integração e humanização dos cuidados..Estabelecem-se os princípios orientadores do desenvolvimento das carreiras assentes no mérito e na progressão por provas públicas, reconhece-se a relevante função social dos profissionais de saúde e a responsabilidade do Estado na colaboração na formação pré-graduada e na formação ao longo da vida, no aperfeiçoamento e na actualização profissionais..Reconhecendo o estatuto próprio e a autonomia das regiões autónomas, promove-se o reforço da articulação com o governo da República e os governos regionais..Afirma-se a importância da articulação com as autarquias locais e o relevante papel destas. No domínio das relações internacionais, para além dos compromissos do Estado português no reconhecimento da saúde como bem global, no âmbito da União Europeia dá-se especial destaque à cooperação mútua e à redução das desigualdades em saúde e, no âmbito da CPLP, um ênfase específico à cooperação recíproca..Finalmente, promove-se a investigação em saúde e para a saúde em articulação com o ensino superior e centros de investigação, apoiando o empreendedorismo e o registo de patentes, designadamente nos domínios da nanotecnologia, genómica, robótica e inteligência artificial, sempre com respeito pelos direitos fundamentais e a indispensável salvaguarda da humanização dos cuidados de saúde..Penso que será desnecessário dizer mais para justificar a importância de uma nova Lei de Bases da Saúde, mas não de uma qualquer lei de bases..Uma que assente nos princípios e valores que o quadro referencial dos direitos humanos e dos direitos fundamentais proporciona, que incorpore a evidência científica produzida, que potencie a utilização para o bem comum da revolução digital e que permita investir no potencial de saúde de cada pessoa para que possamos ser uma sociedade mais saudável e com melhores níveis de bem-estar. Tudo sem esquecer a garantia primeira do SNS na realização do direito à proteção da saúde..Ex-ministra da Saúde e presidente da Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde
O projecto de Proposta de Lei de Bases da Saúde, elaborado pela Comissão criada por despacho do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, de 31 de Janeiro deste ano, decorreu de uma leitura constitucional global e integrada das previsões que envolvem e enquadram o direito à protecção da saúde. O projecto tem ainda em conta o modo como as jurisprudências internacional e constitucional densificam o direito à protecção da saúde enquanto direito humano na ordem internacional e enquanto direito fundamental na ordem interna..O projecto reflecte a natureza não exaustiva de uma lei de bases e beneficiou dos contributos colhidos em sede de audições e discussão pública..Ao contrário da Lei de Bases ainda em vigor em que o "utente" surge como elemento da relação jurídica em contexto de saúde , o projecto centra-se na primazia da dignidade e dos direitos das pessoas em contexto de saúde dando a estas total centralidade . A par da importância social que é seu atributo, enquanto correctora de desigualdades e indutora da coesão, assume-se a importância da saúde para a economia não só pelos níveis de produtividade que proporciona mas também pela investigação indutora de conhecimento e de criação de valor que produz..Na linha da "saúde em todas as políticas", é valorizada a importância das determinantes económicas, sociais, culturais, ambientais e laborais na efectivação do direito à protecção da saúde ao longo da vida, em particular para melhorar o indicador de esperança de vida saúde a partir dos 65 anos, o único em que comparamos mal em termos internacionais..Os direitos e deveres das pessoas em contexto de saúde são densificados, reconhece-se o direito de associação e representação junto dos serviços de saúde e é promovido o reconhecimento do papel do cuidador informal..A saúde pública é o eixo central da política de saúde não podendo esta incidir apenas na prestação de cuidados..Determina-se a avaliação de impacto na saúde pública das diferentes políticas e reconhece-se especificamente a relevância da saúde mental, da genómica, da saúde ocupacional, da educação e da literacia para a saúde..Afirma-se o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como a garantia primeira do direito à protecção da saúde, estabelecem-se os seus princípios e características e assume-se a integração de cuidados e o funcionamento em rede como o modelo prestador..Prevê-se a articulação com os sectores da economia social e privado numa concentração de esforços para alcançar mais ganhos em saúde..O projecto assume a separação e a cooperação, mas reclama uma gestão transparente, eficiente e criteriosa dos recursos disponíveis, subordinando a critérios de necessidade e de rigor o recurso aos outros sectores para a realização de prestações públicas quando tal opção for a mais eficaz, eficiente e económica para garantir o acesso atempado às adequadas prestações de saúde..Reconhece-se a importância da criação de planos locais de saúde e de sistemas locais de saúde que visem a prevenção da doença, a promoção e a protecção da saúde, a proximidade e a continuidade de cuidados e a utilização socialmente útil dos recursos disponíveis..A integração em rede dos profissionais através das tecnologias de informação, a escolha dos titulares dos órgãos realizada de acordo com critérios de mérito, os limites às taxas moderadoras, a avaliação periódica das prestações públicas de saúde e a importância das tecnologias da saúde, da inovação e da saúde digital são reconhecidas..Determina-se uma nova e diferente gestão pública, dinâmica e flexível cujos modelos de organização e prestação se adequem à natureza da actividade, à epidemiologia e às condições geográficas locais..Quanto ao financiamento, ele assenta numa matriz solidária, propõe-se uma aproximação progressiva aos valores da média da despesa per capita na União Europeia, devendo o financiamento adicional ser orientado designadamente para a promoção da saúde e prevenção da doença e a modernização de equipamentos, tecnologias e sistemas de informação ao serviço de integração e humanização dos cuidados..Estabelecem-se os princípios orientadores do desenvolvimento das carreiras assentes no mérito e na progressão por provas públicas, reconhece-se a relevante função social dos profissionais de saúde e a responsabilidade do Estado na colaboração na formação pré-graduada e na formação ao longo da vida, no aperfeiçoamento e na actualização profissionais..Reconhecendo o estatuto próprio e a autonomia das regiões autónomas, promove-se o reforço da articulação com o governo da República e os governos regionais..Afirma-se a importância da articulação com as autarquias locais e o relevante papel destas. No domínio das relações internacionais, para além dos compromissos do Estado português no reconhecimento da saúde como bem global, no âmbito da União Europeia dá-se especial destaque à cooperação mútua e à redução das desigualdades em saúde e, no âmbito da CPLP, um ênfase específico à cooperação recíproca..Finalmente, promove-se a investigação em saúde e para a saúde em articulação com o ensino superior e centros de investigação, apoiando o empreendedorismo e o registo de patentes, designadamente nos domínios da nanotecnologia, genómica, robótica e inteligência artificial, sempre com respeito pelos direitos fundamentais e a indispensável salvaguarda da humanização dos cuidados de saúde..Penso que será desnecessário dizer mais para justificar a importância de uma nova Lei de Bases da Saúde, mas não de uma qualquer lei de bases..Uma que assente nos princípios e valores que o quadro referencial dos direitos humanos e dos direitos fundamentais proporciona, que incorpore a evidência científica produzida, que potencie a utilização para o bem comum da revolução digital e que permita investir no potencial de saúde de cada pessoa para que possamos ser uma sociedade mais saudável e com melhores níveis de bem-estar. Tudo sem esquecer a garantia primeira do SNS na realização do direito à proteção da saúde..Ex-ministra da Saúde e presidente da Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde