"Maria, a alegria cresceu". Atores especiais sobem ao palco
Dos bastidores vem um estrondo, e pouco depois Belchior, o cão, entra em cena ao colo da bombeira. "Tem a pata partida", anuncia o assistente do veterinário, e a seguir a má notícia: "Tem de ser amputada". Na cena seguinte, lá está Belchior, sem uma das patas dianteiras, a coxear, mas, ao que parece, muito satisfeito em palco. A veterinária Maria também está feliz. Ela nasceu com paralisia cerebral, mas lutou e conseguiu cumprir o seu sonho de tratar dos animais.
Esta é a história da peça "Maria, a alegria cresceu", que fala de uma "luta boa", de persistência, "contra o corpo que teima em não obedecer", e que sobe hoje à cena, às 21.00, no auditório municipal Eunice Muñoz, em Oeiras, pela companhia "Brincar ao Teatro", com atores muitos especiais: têm paralisia cerebral e quase todos estão em cadeira de rodas.
Fundada em 2011, no Centro Nuno Belmar da Costa (Oeiras), um dos equipamentos da Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa, onde residem 29 utentes e cujo centro de atividades ocupacionais é frequentado por outros 22, a companhia tem estreado anualmente, desde então, duas peças por ano. Mas a que hoje vai à cena tem um sabor muito especial, por vários motivos. "Estamos este ano a celebrar os 35 anos de criação do centro", explica a sua diretora, Odete Nunes, sublinhando que "o teatro é uma boa forma de chegar à população de Oeiras".
No ensaio geral, que decorreu na terça-feira, e para o qual foram convidados alunos das escolas locais, viu-se isso mesmo. No fim, o aplauso foi unânime e os miúdos quiseram saber tudo sobre a paralisia cerebral, e também sobre Belchior, "um cão muito fofinho", como lhe chamou a Rita, 9 anos, da Escola Básica Gomes Freire de Andrade. Já a Maria, de 10, confessou-se "impressionada" com os atores. "A princípio pensei que estavam a fingir nas cadeiras de rodas, depois percebi e achei que fizeram muito bem a peça", explicou.
Por isso, no fim, a Maria fez questão de subir as escadinhas que dão para o palco, para ir cumprimentar os atores, um a um. Ela e todos os seus colegas da turma. Para muitos, foi a primeira vez que cumprimentaram um ator.
A génese da peça também tem uma história. "Quando fizemos 30 anos, decidimos dramatizar o livro "Maria, a alegria na diferença", que Teresa Coutinho escreveu para contar aos filhos mais velhos a história de Maria, a mais nova da família", conta Odete Nunes.
Agora, para comemorar os 35 anos do centro, o grupo de teatro lembrou-se de desafiar Teresa Coutinho a contar o futuro da pequena Maria, que há de um dia cumprir o seu sonho de ser veterinária - tal como mostra a peça, que desta vez teve toda a família a participar na escrita, e inclui um cão perneta.
Joana Cardoso, que dirige o grupo de teatro e participa como narradora, encenou o espetáculo, imaginou o guarda-roupa e os cenários e participou na sua construção. "Estamos a ensaiar desde fevereiro, duas vezes por semana", diz, explicando que nas sessões de teatro o grupo trabalha a fala, a exploração da voz e do corpo, faz exercícios de imitação e de concentração.
Para os atores, vê-se, participar é uma enorme alegria. Leonor e Mimi, por exemplo. Entre risos e gestos, dizem quase a mesma coisa: "Faz lembrar a minha história de vida". Pedro Miguel, que reside no centro, é um dos atores desde a primeira hora. Só pode gostar muito.
E depois há o elementos mais recente de todos: Belchior, o cão perneta. Era preciso encontrar um cão para a peça e, a navegar no Facebook, Mimi descobriu que ele estava para adoção num canil. Nem hesitaram, e Belchior também parece feliz - e muito à vontade no palco.