Margarida Villas-Boas. Cofundadora e codiretora da Upfarming

Mulheres do meu País - Século XXI
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Depois de falar com Margarida Villas-Boas e ouvir a sua história de vida, pensamos naquele provérbio, a sorte favorece os audazes. Assenta-lhe como uma luva, pois tudo o que lhe aconteceu foi graças à sua coragem e ao facto de ter sabido aceitar os desafios com que se deparou na vida, sempre com interesse de aprender e experimentar coisas novas.

E foi assim que os felizes acasos se sucederam, por estar aberta ao inesperado, criando as condições para que novas oportunidades surgissem, pois tal como afirma "o segredo consiste em dar sempre o primeiro passo rumo à mudança".

Nasceu em Lisboa, mas cresceu numa pequena quinta em Évora, onde deu os primeiros passos como exploradora, acompanhando o pai em diversas expedições 4x4 que este organizava. Na sua opinião, o facto de ter crescido numa cidade de província, no seio de uma família progressista, despertou-lhe a vontade de partir à descoberta do mundo, aprendendo a aventurar-se sozinha.

Após a licenciatura em Economia, na Universidade Nova de Lisboa, fez um estágio na Unilever, seguido de um cargo permanente na Danone, empresa com a qual se mudou, primeiro para Espanha, e depois para o Reino Unido.

Já em terras de Sua Majestade decidiu fazer uma paragem na carreira profissional para estudar Arte, em Londres, tendo tido, mais tarde, oportunidade de se juntar a uma empresa familiar portuguesa que se queria expandir internacionalmente e tinha aberto escritório em Londres.

Dedicou-se, durante alguns anos, a licenciar marcas infantis para vários países europeus, sendo responsável por trazer a Portugal os primeiros espetáculos ao vivo de personagens como o Noddy ou Bob o Construtor, que fizeram a delícia dos mais pequenos.

Durante esse período envolveu-se em várias causas solidárias, aceitando o desafio de ser a administradora fundadora de uma pequena ONG portuguesa que abriu uma sucursal em Inglaterra, o que a levou a procurar um desafio profissional no terceiro sector.

Quis o destino que conhecesse uma senhora inglesa, Kedge Martin, que decidiu que ela era ideal para repensar a estratégia de angariação de fundos da Ace África, uma ONG que estava a trabalhar havia cerca de dez anos com comunidades rurais, no Quénia e na Tanzânia, particularmente afetadas pelo surto avassalador de SIDA que havia devastado a região.

Os cofundadores da Ace África tinham conseguido um franco crescimento dos programas nas várias regiões em que operavam, mas o escritório inglês não estava a ter capacidade para acompanhar esse progresso.

Confessa que na altura, apesar de ter pouca experiência profissional na matéria, decidiu aceitar o desafio, pensando num plano estratégico capaz de duplicar o rendimento anual de forma consecutiva.

Como nos primeiros anos de vida, a Ace África tinha recorrido essencialmente a donativos de amigos e familiares, decidiu apostar mais em fundos institucionais por considerar que poderiam dar um maior retorno de investimento. Ao longo de quatro anos conseguiu quadruplicar o rendimento anual disponível da organização para países como o Quénia e a Tanzânia, para dois milhões de libras.

Mas no terreno começava a sentir-se, de forma acentuada, os impactos das alterações climáticas, com secas e cheias que comprometiam os programas de agricultura, pelo que sentiu necessidade de aprofundar o conhecimento na matéria, decidindo-se pelo Mestrado em Alterações Climáticas e Desenvolvimento da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres.

Entretanto, eis que se deu mais um feliz acaso na vida de Margarida Villas-Boas, que acabava de regressar a Portugal. Bruno Lacey, um inglês especializado em jardinagem comunitária, que reside no nosso país, estava a desenvolver, com o arquiteto Tiago Sá Gomes, um projeto para o Museu de Lisboa sobre o que seria Lisboa no futuro em termos agrícolas, para a exposição Hortas de Lisboa - Da Idade Média ao século XXI.

Como optaram por uma solução de agricultura vertical rotativa desenvolvida em Singapura, de baixa tecnologia, decidiram criar uma startup que pudesse trazer esta inovação para Portugal. Quis o destino que Margarida Villas-Boas conhecesse Bruno Lacey e depois de algumas reuniões compreenderam que os três tinham perfis complementares: um horticultor, um arquiteto e uma economista, e que podiam unir forças. Assim surgiu a UpFarming.

Em 2020, lançaram uma campanha de crowdfunding na plataforma GoParity que lhes permitiu angariar o dinheiro necessário, em apenas vinte e quatro horas, para financiar a chegada da primeira horta vertical rotativa à Europa, que foi instalada nos jardins do Palácio Pimenta do Museu de Lisboa.

A vertente social do projeto resultou numa candidatura ao Programa BIP/ZIP Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa, da Câmara Municipal, onde conseguiram financiamento para dar vida a um dos oito casos de estudo que tinham apresentado no Museu de Lisboa - um projeto comunitário que visa apoiar dois bairros em Alvalade.

Apelidado "Do Céu para a Mesa", pretende ser um local agregador de dois bairros vizinhos que produzem produtos hortícolas para consumo de comunidades locais carenciadas, com enfoque nos bairros das Murtas e São João de Brito, bem como para serem vendidos pelos residentes em prol das suas comunidades.

Posteriormente, fizeram uma candidatura a um Orçamento Participativo em Lisboa para instalar a primeira horta vertical numa escola pública em Marvila, que lhes permitiu fechar o primeiro ano de vida com três projetos totalmente financiados.

*Autoras do livro Mulheres do meu país - século XXI inspirado na obra homónima de Maria Lamas. O livro, que tem design gráfico de Andrea Pahim, está à venda nas livrarias online e no FB.

O DN publica nesta segunda quinzena de agosto uma seleção de 15 perfis de portuguesas notáveis.

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