Margarida Silva: "Já temos mais de 400 mil assinaturas contra o glifosato"
A bióloga e apoiante da iniciativa Margarida Silva explica ao DN por que é preciso banir este produto, que Portugal já proibiu nos espaços públicos urbanos em janeiro.
Esta iniciativa propõe-se chegar a um mínimo de um milhão de assinaturas dos cidadãos europeus. Vai ser fácil?
Penso que temos o caminho facilitado porque o público está esmagadoramente sensibilizado para o problema do glifosato. É só uma questão de os cidadãos ficarem a saber que têm uma forma de canalizar essa insatisfação de modo produtivo, assinando a petição.
As pessoas estão a aderir?
Estão a aderir em grande número. A nível europeu já se ultrapassaram as 407 mil assinaturas, o que é quase meio milhão em menos de um mês. É muito animador. É uma pena que as pessoas tenham de fazer valer a sua opinião através destes mecanismos alternativos, que não têm muita força. Mas é excelente que sintam que vale a pena tentar que as opções políticas sejam no sentido de garantir o bem-estar das populações e do ambiente.
A iniciativa pretende que o uso do glifosato seja banido na Europa?
É o que propõe, e vincula a Comissão Europeia a que sejam iniciadas medidas nesse sentido. Depois, se os Estados membros, o Parlamento Europeu e todos os parceiros do processo de decisão em Bruxelas vão estar de acordo e que decisão final será tomada, isso a iniciativa já não controla. Mas cria legitimidade política para a proibição e cria o momento para que ela aconteça. O resultado final, veremos.
Há o prazo de um ano, que está estipulado para este tipo de iniciativas, para chegar a um milhão de assinaturas. Mas o vosso objetivo é chegar a essa meta já no verão. Porquê?
O glifosato está pendente de uma decisão de reautorização desde 2012 e ainda não houve decisão por causa do confronto entre a verdade científica e as motivações políticas. A motivação política e do lobby da indústria química é no sentido da reautorização por mais um período de tempo. Mas em março de 2015 a Organização Mundial da Saúde [OMS] classificou o glifosato como um carcinogénico para animais, demonstrado em laboratório, e um carcinogénico provável para os seres humanos. Com estes dados científicos é evidente que o glifosato é perigoso e que não deve circular. Em Portugal, descobriu-se em 2016 que a população tem níveis de contaminação absolutamente astronómicos, em média 20 vezes superiores aos teores detetados noutros países europeus, como a Alemanha.
A que se deve isso?
Não há um programa oficial de rastreio de glifosato em Portugal. Nunca foi obrigatório fazer análises ao glifosato na água de consumo. Não sabemos de onde vem essa contaminação. Mas essa é uma razão adicional para que se tomem medidas de precaução. Embora haja um programa nacional de deteção de pesticidas que testa mais de 300 todos os anos, não inclui o glifosato, que é o químico sintético mais usado na agricultura. São mais de 1600 toneladas aplicadas todos os anos em Portugal, ele não é tão biodegradável como as empresas dizem e acaba no nosso organismo. A indústria apresenta estudos a dizer que não há problema nenhum e a OMS, através da sua agência internacional de investigação do cancro, chegou a uma conclusão oposta, olhando apenas para estudos científicos disponíveis publicamente. Os estudos da indústria, pelo contrário, são secretos. São entregues às autoridades oficiais e o público não pode analisá-los de forma independente.
O uso do glifosato nos espaços públicos urbanos foi proibido em Portugal em janeiro.
Não é uma proibição total, mas apenas em zonas sensíveis. O governo já no ano passado tinha dado um primeiro passo ao proibir todas as versões do glifosato que envolviam um coadjuvante chamado taloamina. Agora há restrições adicionais, o que é um passo no caminho certo, mas é ainda insuficiente, porque essa substância vai continuar a ser introduzida no ambiente e a estar presente nos alimentos e a contaminar-nos. Esta petição europeia quer resolver o problema pela raiz.
Voltando a ela, por que motivo colocaram a meta no verão?
A decisão para a reautorização, ou não, do glifosato está pendente de um último parecer da agência europeia dos químicos, a ECHA, e esse parecer é esperado depois do verão. O produto tem agora uma autorização temporária que expira no final do ano. Entre o parecer da ECHA e o final do ano, a Comissão tomará uma decisão. Se queremos intervir, no sentido de que a decisão seja a proibição, temos de garantir as assinaturas para irmos a tempo, antes da decisão da Comissão.
Recolhidas as assinaturas, o que sucede a seguir?
As assinaturas são recolhidas diretamente para a Comissão. São validadas através de um formulário que tem de ser preenchido [online]. A partir do momento em que a Comissão receba o milhão de assinaturas, e estejam atingidos os mínimos necessários em cada um dos Estados membros - para Portugal são 16 mil assinaturas válidas -, tem de desencadear a fase seguinte. Ou seja, tem de propor uma medida que preveja a proibição do glifosato.
Os cidadãos europeus estão conscientes do que está em jogo?
Penso que não, mas esse é o papel das organizações não governamentais: tornar essa informação bem visível, para que as pessoas percebam que se trata de uma questão de urgência e que, se não fizermos isto agora, podemos só voltar a ter oportunidade em 2031, data até à qual a comissão queria inicialmente estender a autorização do glifosato. Mas como os estados membros não estavam todos de acordo desistiu e estendeu a autorização até ao final deste ano e atirou a batata quente para ECHA.
Portanto, este é um ano decisivo para esta questão.
Pensa-se que sim, mas já se pensa isso desde 2012, e o Parlamento Europeu já votou dois alargamentos das autorizações temporárias. Não sabemos o que vai acontecer.
A vossa iniciativa pode ter aqui um peso importante?
Vai certamente obrigar a que se fale do assunto. E a partir do momento em que se fale muito, como a indústria não gosta que se fale, a guerra está ganha.