Marco António Costa "Vejo com respeito a ambição do CDS. É preciso o PSD ter muito juízo"
Rui Rio está há um mês à frente do PSD. Que balanço faz deste primeiro mês de liderança?
A pergunta merece uma resposta direta: faço uma avaliação pouco positiva. Faço esta avaliação com objetividade, na justa medida em que ainda não conseguiu verdadeiramente romper um certo cerco que está instalado a polémicas em que a sua direção política, o próprio partido, tem estado - justa ou injustamente - envolvidos. Portanto, o Dr. Rui Rio precisará, necessariamente, com o tempo de encontrar um caminho, uma via, para poder comunicar com os portugueses sobre o seu pensamento, a sua estratégia e, com isso, trazer o partido para o nível de afirmação na sociedade portuguesa que seja encaminhador de uma vitória do PSD em 2019.
Quem é que lhe está a montar o cerco?
Julgo que há objetivamente questões que a imprensa tem levantado que decorrem de temas antigos com alguns elementos da direção, nomeadamente com a ex-bastonária da Ordem dos Advogados, Drª Elina Fraga, que foi uma personagem que assumiu um papel de combate muito intenso contra os governos do PSD e, portanto, seguramente que o Dr. Rui Rio quando fez a escolha tinha noção de que não seria uma escolha pacífica. Agora, mais do que quem ou porquê é a circunstância de existir e para isso é que os órgãos políticos dos partidos existem, para terem a capacidade de ultrapassar as dificuldades e encontrar um caminho de afirmação, foi isso que fizemos no passado. Nós assumimos em 2011 um país numa situação de bancarrota, com uma sociedade destroçada e assustada com o seu futuro. Como partido, com a direção política do Dr. Passos Coelho, tivemos de assumir a liderança do país num processo que foi verdadeiramente dobrar o Cabo das Tormentas, aplicar o programa de resgate financeiro e conseguir, em 2014, sair do resgate financeiro, sair do programa cautelar, fazer a inversão do sentido do caminho que Portugal viveu, começar o crescimento económico em 2013, a recuperação do emprego e chegar a 2015 e vencer as eleições. Para que isto acontecesse foi preciso ultrapassar muitas dificuldades, muitas incompreensões, muitas barreiras, muitos ataques, e esta é que é a missão de uma direção política. Julgo que o partido tem, nos atuais órgãos, pessoas com capacidade para poder fazer isso.
Mas, por exemplo, o caso do secretário-geral que acabou de se demitir, Feliciano Barreiras Duarte, não desgastou logo imenso este primeiro mês de liderança?
Acho que daqui a dois meses já ninguém se lembra desta polémica. Hoje, as pessoas estão mais preocupadas em saber sobre esta situação de um crescimento económico em 2018 mais moderado do que tivemos em 2017. Mais preocupadas em saber se as consultas de ortopedia de que estão à espera há mais de 500 dias, se as consultas de oftalmologias por que esperam há mais de 1000 dias vão baixar o tempo de espera, se o Estado vai pagar a dívida da saúde que neste momento subiu 500 milhões (valores de janeiro) face a 2015. Portanto, as pessoas estão preocupadas é como seu dia a dia e com o seu futuro. O que é que se exige a este PSD? Que seja capaz. Nós temos de colocar uma meta de sucesso a este Governo - o Governo do PS que tomou o poder de forma pouco ortodoxa e que quis governar -, temos de lhe exigir resultados mais ambiciosos. Temos um PS acomodado no poder.
A verdade é que o PSD não acreditava que isto estivesse como está hoje. O discurso do diabo é a evidência disso mesmo. Há, portanto, uma inversão de discurso ou não?
Não. Posso contrapor objetivamente: essa afirmação foi feita a propósito dos primeiros sinais de execução orçamental no ano 2016. Quando vieram as previsões da primavera da Comissão Europeia, elas diziam exatamente aquilo que nós estávamos a dizer, que era que se o Governo continuasse na linha de despesa pública que tinha assumido e que afirmava querer executar não atingiria os objetivos que previa para o défice em 2016 e que isso provocaria necessariamente uma situação de dificuldade adicional ao país. O que é que fez o Governo? Nós hoje sabemos. Lançou mão das cativações e travou a toda a velocidade o investimento em Portugal.
E o PSD, a seguir, criticou as cativações.
Nós criticámos as cativações por aquilo que representam de erro na opção estratégica para governar.
Então como é que deviam ter travado a despesa?
Deviam, muito simplesmente, ter feito opções e não mudar de estratégia de execução orçamental a meio do caminho. O que é que o Governo tem feito? Aprova Orçamentos que, no fundo, pretendem satisfazer a base política que o apoia. O PC pede umas coisas, o Bloco pede outras. Publicamente já deu ao PC e ao BE aquilo que são as bandeiras políticas para afirmarem que obtiveram uma grande vitória e depois controla na execução orçamental, através das cativações no ano 2016 e parte do ano 2017 até terem sido descobertos nessa estratégia - a ponto do BE e o PCP não poderem mais ignorar essa circunstância - e, depois, com aquilo que é o designado veto de gaveta. Por exemplo, no Instituto de Oncologia de Lisboa que havia um veto de gaveta do ministro das Finanças a um investimento de cinco milhões de euros para construir um novo bloco operatório. Nós ouvimos hoje o Governo falar de forma bastante intensa sobre a questão da regularização dos precários na administração pública e ouvimos o Governo falar também que nós, no nosso tempo, tínhamos um projeto de privatização da Segurança Social. Recentemente foi publicada a resolução do Conselho de Ministros 34/2018 que permite, por exemplo, que a Segurança Social contrate empresas para fazer a análise e tratamento dos processos de atribuição de subsídios e de prestações sociais. Isto é uma coisa inacreditável, estamos a falar de 3,8 milhões de euros. Então onde é que está política consequente? Isto não é privatizar a Segurança Social? Entregar funções essenciais da Segurança Social - canalizar processos, tratar processos de prestações sociais - a uma empresa privada. O PSD tem de ser capaz de romper com o status quo e apresentar soluções que motivem o eleitorado a voltar a apoiar-nos, como aconteceu em 2015.
Rui Rio não devia andar já no terreno a tentar demonstrar todas as incongruências que aqui nomeou?
Não me cabe a mim dar conselhos, muito menos públicos, ao Dr. Rui Rio. Conheço-o bem, sei que é um homem hiperorganizado e estruturado na forma como desenvolve a sua atividade política. Ele foi 12 anos presidente da Câmara do Porto, dez dos quais eu fui presidente da distrital, o que diz muito do conhecimento que temos um do outro e daquela que é a perceção que temos da forma como cada um atua. O Dr. Rui Rio está a tentar organizar a casa de acordo com a visão dele para depois ir para o terreno. Eu julgo que até ao verão, necessariamente, o PSD apresentará iniciativas e tomará posições que possam de alguma forma recolocá-lo no centro do debate político. Já o tem feito quando, por exemplo, nos debates quinzenais com o primeiro-ministro, o líder parlamentar, Dr. Fernando Negrão, coloca questões como a do Montepio, que "era tudo mentira, que não havia nenhuma intenção em investir". Hoje, finalmente, o provedor deu voz a uma intenção de investimento. Afinal a Santa Casa da Misericórdia vai investir 30 milhões de euros no Montepio.
Falava há pouco da prestação do PSD através de Fernando Negrão, líder da bancada parlamentar. Em relação à sua eleição, acha que foi um erro estratégico a forma como Hugo Soares foi afastado e, em consequência disso, acha que Fernando Negrão é uma boa escolha?
Acho que o deputado Hugo Soares fez um belíssimo mandato. Não é segredo o facto de eu ter sido uma das pessoas que o entusiasmou a candidatar-se e, portanto, quando ele anunciou a sua saída eu fiz questão de referir e sublinhar essa circunstância. São estilos diferentes. O Dr. Fernando Negrão é alguém que tem provas dadas na vida pública, é uma personalidade respeitada, tem um estilo próprio, não é tão "comicieiro" nas intervenções parlamentares como outros deputados, mas tem feito as perguntas certas e tem colocado as posições certas relativamente ao partido. A nova direção do grupo parlamentar tem estado a organizar-se e acredito que também desempenhará um papel importante para o futuro no combate político.
É um pouco difícil ignorar a quantidade de votos brancos e nulos que Fernando Negrão teve. Ficou surpreendido e incomodado com a forma como o seu atual líder parlamentar acabou por ser legitimado politicamente?
Incomodado fiquei porque, obviamente, como deputado desejava que o meu partido não fosse sujeito a esta circunstância. Mas o que ficará para a história é o que nós conseguiremos construir para os portugueses. O PSD, num tema muito recente, a propósito dos fogos florestais, deu um exemplo de grande sentido de responsabilidade quando propôs a criação de uma comissão técnica independente. O que está em causa é percebermos porque é que morreram 100 portugueses, como é que se pode evitar no futuro a perda de mais vidas humanas e como é travamos uma destruição de valor enorme da nossa economia que é a nossa floresta. Portanto, o PSD fez esta proposta que visa um tema muito sensível, para criar condições para que haja o tal consenso de que se anda à procura, que se diz que não existia; há aí uma narrativa sonsa na opinião pública que tenta transmitir a ideia de que o Dr. Passos Coelho, agora que saiu da vida política e entregou a direção do partido, não está e que vai ser fácil fazer acordos importantes de regime com este PSD. Ora, os acordos não aconteceram no passado por uma única razão, porque o PS não quis. Este PS é de um radicalismo e de uma relação de agressividade com o PSD como não há memória. Durante estes dois anos, o PSD apresentou propostas no Orçamento de Estado que foram chumbadas sem debate, ignoradas olimpicamente pela maioria de esquerda. Propostas na área da descentralização, na área da reforma da floresta, na área da reforma da economia, na área da Segurança Social. Sabem qual foi a última proposta que apresentámos no âmbito da reforma da Segurança Social? Foi a criação de uma comissão técnica independente, exatamente aquilo que aconteceu nos fogos, para analisar várias coisas. O PS, o tal partido que anda à procura dos consensos e do diálogo, chumbou liminarmente essa proposta e só aceitou esta da comissão técnica independente relativamente aos fogos porque não tinha verdadeiramente como fugir face à responsabilidade política que o Governo tem na circunstância das mortes que existiram.
Está a dizer duas coisas: que o PSD também andou à procura de consensos na altura de Passos , portanto não é uma novidade aquilo que Rui Rio está a tentar fazer agora; e que não acredita que o PS queira algum entendimento com o PSD...
Estou a dizer uma terceira coisa que é que foi criada uma narrativa sonsa em Portugal que tenta transmitir a ideia de que o problema da falta de consensos entre o PSD e o PS - consensos em volta de questões de interesse nacional- foi um obstáculo chamado anterior direção política do PSD, liderada pelo Dr. Passos Coelho. É completamente falso. Já se percebeu que o Dr. António Costa vai abrir a porta do carro e despejar na primeira curva o BE quando não precisar deles e quer com esta narrativa sonsa aparecer aos olhos dos portugueses como um político moderado quando, verdadeiramente, durante dois anos fez as suas opções completamente radicalizadas, com base numa atitude de total indisponibilidade para o diálogo político com o PSD.
Então, como é que explica que Rui Rio esteja convencido de que é possível chegar a consensos com o PS neste momento?
Não sei, vai ter de lhe ser perguntado a ele. Não sou porta-voz dele, já fui porta-voz do anterior líder, mas não sou dele.
Mas no seu caso, não acredita mesmo que seja possível?
Eu desejo que seja possível, só não quero é que isso seja construído em cima de uma narrativa sonsa e falsa.
Quem é que construiu essa narrativa?
O Partido Socialista.
Não com a ajuda do atual PSD?
Não, não.
Porque quem se mostrou disponível para esses consensos foi o PSD.
Mas também no passado. Acabei de dar um exemplo. Quer base mais simples e mais objetiva do que uma comissão técnica independente para analisar a sustentabilidade da Segurança Social?
Em bom português: acha que Rui Rio está a ser "anjinho"?
Espero que o Dr. Rui Rio não caia no canto da sereia porque, objetivamente, aquilo que o Dr. António Costa tem procurado fazer é lançar um canto de sereia. Espero estar enganado porque seria bom, volto a sublinhar, que o país atingisse consensos, que fossem positivos para o país.
Há pouco falava numa espécie de cerco que estava criado dentro do próprio partido e que Rui Rio teria de ultrapassar esse cerco. Passa-lhe pela cabeça que Rui Rio não chegue às legislativas de 2019?
Eu não disse que o cerco era dentro do partido, disse que estava feito um cerco ao partido e que os órgãos políticos do partido tinham de vencer esse cerco. Agora, essa hipótese não admito porque espero obviamente que o Dr. Rui Rio seja candidato em 2019 e que vença as eleições, que seja primeiro-ministro.
Mas admite que dentro do PSD possa haver muitas forças que estejam a tentar criar alguma conflitualidade?
Há sempre. Quando o Dr. Passos Coelho foi eleito a primeira vez para líder do partido tivemos muito disso. O PSD é um partido rico em opiniões divergentes, mesmo durante estes anos de governação, nós tínhamos muitas pessoas no espaço público permanentemente a criticar-nos, pessoas com elevadíssima responsabilidade política, ex-líderes, que faziam críticas violentíssimas. Isso nunca nos desviou do caminho e, acima de tudo, nunca constituiu um problema para nós, nunca nos sentimos ameaçados.
A posição de Rui Rio de se mostrar disponível para apoiar um eventual governo minoritário do PS acha-a inteligente ou é um tiro no pé?
Desejava que o meu partido liderasse uma solução e não quero aceitar como base de partida que o PSD se coloque na posição de muleta do PS. O que eu acho que o Dr. Rui Rio disse com toda a clareza nos últimos dois meses - no congresso, fora do congresso, nas reuniões com os senhores deputados, nas intervenções que teve - foi que tinha a ambição de liderar futuramente um governo, e se o PS quiser, desta vez, aceitar aquilo que não aceitou quando nós, em 2015, lhe propusemos uma solução alargada de governação... Eu acho que o bloco central é uma solução sempre arriscada porque permite uma certa erosão do sistema político-partidário, mas por vezes é uma solução indispensável, até para que se construam bases suficientemente amplas de consenso para reformas que são fundamentais. E como este Governo não faz nenhuma reforma, admito que o próximo governo vai ter uma tarefa triplicada em termos de exigência relativamente a processos reformistas.
Como é que vê esta ambição do CDS, de Assunção Cristas, de liderar a oposição?
Com respeito, porque entendo que o processo de transformação do quadro político-partidário que acontece em vários países - veja-se a Espanha, veja-se a França, onde o Partido Socialista francês desapareceu em seis meses, veja-se o que se está a passar em Itália - nos deve fazer refletir permanentemente. Os cidadãos, hoje, são muito exigentes e os partidos ou são capazes de encontrar políticas, soluções concretas para a vida das pessoas com realismo, não são soluções transitórias para depois virem problemas maiores, ou as pessoas fazem trocas. Portanto, eu tenho respeito pelo CDS, tenho respeito por todos os partidos sem exceção, assim como acho que o BE é uma ameaça ao PS à esquerda. Há uma mudança de atitude do BE, há um posicionamento do discurso menos radical, numa procura de encontrar espaço político para crescer.
O CDS é uma ameaça ao PSD?
Não, eu não o vejo como uma ameaça, vejo...
Se acha que o BE é uma ameaça ao PS...
Eu reformulo: nenhum partido é uma ameaça para os outros na justa medida de que aquilo que eu quero dizer é que cada um tem direito a ter a ambição de querer crescer e os outros têm a obrigação e se afirmarem para continuarem a merecer a confiança dos portugueses. Portanto, não há partidos donos do sistema, quem julga que é dono do sistema pode acabar despojado daquilo de que julga que é proprietário. É preciso muito juízo [o PSD], muita capacidade de analisar com frieza a realidade. Julgo que o Dr. Rui Rio quando fala do processo de reforma interna do partido, da criação dos grupos de debate interno por áreas temáticas, quando fala da necessidade de ter porta-vozes para diferentes áreas, visa exatamente oferecer aos portugueses um espaço de cativação e de afirmação de um partido que se está a modernizar e que está a procurar abrir-se ao exterior, à sociedade civil e, com isso, evitar qualquer erosão que possa vir a ser perigosa para o PSD.
Mas admite que o CDS possa mesmo, eventualmente, ter um resultado acima do PSD nas próximas eleições legislativas?
Não, eu não estou a falar em processos dessa natureza em dois, três anos. rtido dominante, há ali um grande equilíbrio entre quatro partidos.
A decisão do PSD e do CDS - foi uma decisão dos dois partidos - de irem separados a eleições é inteligente ou, como diz Marques Mendes, é um erro porque era mais útil irem juntos?
Tendo a considerar que o Dr. Marques Mendes faz observações bastante pertinentes relativamente a esta matéria.
Como é que o PSD pode marcar a diferença em relação ao Governo quando, aparentemente, e para a opinião pública, parece ter um grande sucesso económico e ter paz social?
Sublinho a expressão "aparentemente" porque, de facto, é uma paz social um bocadinho podre. O que está a acontecer hoje na área da educação e da saúde não é paz social, o que nós não temos é o PS com o PCP e o BE a fazer barulho contra o Governo. Mas a contestação na área da saúde.
Se Rio perder as europeias e as legislativas tem condições para se manter?
Quero acreditar que venceremos as europeias e que venceremos as legislativas.
Montenegro é uma boa reserva futura?
O Dr. Luis Montenegro, o engenheiro Miguel Pinto Luz e muitas outras pessoas no PSD são militantes destacados, competentes, pessoas que deram provas de capacidade política e de realização e, portanto, todos vamos ser necessários no futuro.
Incluindo Marco António Costa?
Eu não sei dizer se vou ser necessário ou não. Como sabem, não é segredo, que eu, de alguma forma, na sequência da decisão do Dr. Pedro Passos Coelho de não se recandidatar à liderança assumi também um afastamento da vida partidária.
Mas vai deixar o Parlamento?
Não tomei ainda nenhuma decisão sobre isso, não sei se vou deixar ou não, não sei se estarei ou não disponível para ser candidato nas próximas eleições. Em qualquer circunstância, aconteça o que acontecer, serei um militante de base, empenhado, disponível e ativo na defesa do meu país e, acima de tudo, daquilo que acredito que é o melhor para o meu país.
Mas quando é que toma uma decisão em relação ao Parlamento, tem um calendário?
Não, eu não ando com calendários relativamente a isso. Com toda a sinceridade, não faço ideia se nas próximas eleições legislativas quero continuar ou não no Parlamento, não sei se continuarei até ao fim. Nos últimos dois mandatos que exerci de deputado não terminei o mandato, portanto não seria nada de extraordinário. [Risos]
Sim, mas por motivos diferentes, foi para o Governo, teve outras razões.
Por vários motivos, não sei os motivos que poderão estar na base de uma decisão dessas. Não tenho, neste momento, nenhum tipo de cogitação no sentido de abandonar o mandato, pretendo levá-lo até ao fim até porque tenho relativamente a esta matéria, hoje, um gosto especial pela função de presidente da Comissão de Defesa. Acho que os assuntos da Defesa merecem uma atenção muito grande e estou a gostar de descobrir este universo das nossas Forças Armadas que são uma instituição extraordinária ao serviço dos portugueses. Em segundo lugar, se vou ou não voltar a ser candidato a deputado, não consigo responder, se mo perguntarem hoje, admito que não, quando lá chegar não sei o que é que poderei responder, mas hoje, à distância, não é minha intenção voltar a candidatar-me a deputado.
E é sua intenção, passa-lhe pela cabeça, ser um dia candidato à liderança do partido?
É uma pergunta a que não sei responder. Tenho as quotas em dia, julgo que não estou inibido nos meus direitos políticos, não tenho essa intenção, mas posso a qualquer momento ter uma opinião diferente relativamente a isso, agora, corro sempre o risco se disser que sim de criar um facto político, se disser que não crio outro facto político, portanto se disser "nim" está criado também um facto político. Não sei que responda, mas não consigo fazer futurologia, não tenho uma bola de cristal, estou numa fase de afastamento das funções partidárias, não faria sentido uma decisão dessas, mas o futuro só Deus sabe e eu sou católico, portanto tenho fé que nesses momentos haverá uma luz a guiar-me.
Como presidente da Comissão de Defesa confrontou-se com um caso que deu muita polémica no país, o caso de Tancos. Os dois relatórios entregues sobre o assalto ao arsenal militar são esclarecedores do que aconteceu, uma situação complicada e marcante para as Forças Armadas?
Não. Não são, mas também julgo que não tinham esse objetivo por duas razões: primeiro porque este último relatório não é propriamente um relatório, é um índice de documentos administrativos sobre os factos que ocorreram, com algumas notas explicativas; nesse sentido não deixa de ser um bom arquivo administrativo, mas que está incompleto. Há documentos - é assumido que é um relatório bastante honesto do ponto de vista da factualidade - confidenciais que não podem ser ali expostos, há matérias de segurança de Estado que estão acima de qualquer outra cogitação, qualquer outro debate. Algumas dessas matérias ajudariam a perceber algumas questões, mas esse é um assunto em que os portugueses terão de confiar em quem atribuíram o mandato de deputado para fiscalizar, que conheceram os documentos, que avaliaram os documentos e que saberão agora, também de uma forma recatada e bastante construtiva, procurar com o Governo soluções para os problemas que nós enfrentamos. Aliás, gostava de dizer que aquilo que mais me preocupa e mais me choca é a circunstância de convivermos com naturalidade com uma falha inacreditável do nosso sistema de segurança interna. Nós constituímos um sistema de segurança interna que tem uma secretária-geral, a procuradora Helena Fazenda, que é uma pessoa bastante diligente e competente, que, no fundo, tem a competência de coordenar as forças policiais e uma unidade antiterrorista, não operativa, mas uma resposta contra atos terroristas ou a preparação de atos terroristas, ou atos contra a segurança do Estado. Ora, o furto foi descoberto dia 28, a senhora secretária-geral do sistema de segurança interna, a tal que coordena a unidade antiterrorista, não a unidade operacional, mas as entidades que fornecem os meios para combater o terrorismo, só soube no dia 29 pela comunicação social.
Isso é falha dela?
Não. É falha de alguém que não lhe comunicou.
Quem é que deveria ter comunicado?
Julgo que toda a gente que sabia, desde o Governo que tem responsabilidades nisso, à polícia judiciária militar, através das chefias militares, à própria Procuradoria-Geral da República. Julgo que todos que sabiam. Ela disse isto numa audição aberta à Comissão de Defesa Nacional, não estou a revelar nenhum segredo, e, depois, soubemos mais a seguir: o secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, o chefe dos serviços secretos portugueses, da superestrutura dos serviços secretos portugueses também soube do furto pela comunicação social.
Eu pergunto: mas então há esta falha toda e não se apura o que se passou?
Ouviram, até hoje, alguma explicação plausível para esta falha do sistema de segurança interna? Alguém tomou a iniciativa de procurar saber o porquê? Eu já fiz a minha parte, tenho-o dito em vários sítios. Já chamei a atenção dentro do meu partido para a necessidade de os deputados que estão na primeira comissão apurarem esta matéria e, se necessário, fazer-se alterações legislativas que permitam que, no futuro, não haja falhas de comunicação relativamente a esta matéria ou então extinga-se o sistema de segurança interna, porque não serve para nada. Esta é uma afirmação bastante generalista que não quero que seja mal interpretada mas, na verdade, quando há um roubo de material desta dimensão, eles não são informados. E a unidade antiterrorista só conseguiu reunir 48 horas depois de ter sido detetado o furto porque a senhora secretária-geral foi uma pessoa extremamente diligente a tentar recolher informação. Sentem-se confortáveis, como cidadãos, com esta situação? Eu não me sinto e acho que isto é uma coisa inacreditável.