"Marcelo vinculou-se" a dissolver AR, diz Catroga. Mas a opção privilegia PS e um OE eleitoralista
São duas questões simples: foi mesmo positivo para o país adiar as eleições só para fazer aprovar o Orçamento do Estado para 2024 por um Governo demissionário? E seria assim tão mau para o país viver os primeiros meses do próximo ano com um OE por duo décimos?
Eduardo Catroga, antigo ministro das Finanças, diz que esta é sempre uma opção política, e afirma-se, por princípio, "contrário a dissoluções do Parlamento quando existe uma maioria parlamentar. Mas no caso atual, acrescenta que "o facto de o Presidente da República ter referido, logo na tomada de posse do Governo maioritário, que a vitória não era só do Partido Socialista, mas do líder do partido, no fundo, Marcelo vinculou-se: se houvesse um afastamento de António Costa, seja, como se falava na altura, por opção por uma carreira europeia, seja por um facto extraordinário, como ocorreu, o Presidente da República, tinha de ser coerente com a política previamente definida."
Na opinião deste professor de Economia, se Marcelo Rebelo de Sousa tivesse optado por outra alternativa, como vivermos em função de duodécimos do OE de 2023, "não seria nada de catastrófico para o país", até porque "nas grandes questões, se a aparecer um Governo novo com uma nova filosofia, quanto à política económica, tem sempre, a oportunidade de fazer um orçamento retificativo".
Opinião diferente tem João Duque, economista e presidente do ISEG, que considera que a aplicação de duodécimos em 2023 seria "muito mau" e explica porquê. "O 1.º semestre vai ser complicado para as exportações e empresas portuguesas, que estão a queixar-se de uma quebra muito significativa das encomendas, e o combate à inflação está a começar a ter os seus os seus efeitos colaterais. Estamos a ver uma quebra de atividade de crescimento no centro da Europa muito significativa e as empresas portuguesas estão a vender cada vez menos. É possível que o turismo venha a mitigar um bocadinho este efeito, mas a queda significativa da exportação de bens vai fazer baixar muito as exportações portuguesas que pensam já muito no PIB nacional."
Dito isto, continua o economista, não havendo um orçamento atualizado, o país não tem "instrumentos adequados para fazer face ao novo contexto de 2024, que é completamente diferente do do início de 2023 e o orçamento que temos não está preparado para este ano, é para outro ano, que já passou. João Duque sublinha que o OE2024 quer combater as "más notícias" do ano que vai entrar com estímulos ao consumo. Como? "Aumentando o rendimento das pessoas através do aumento dos salários e também de uma redução do IRS", sublinha. Por isso, é melhor haver OE do que uma gestão por duodécimos.
Para o economista Francisco Louçã, há duas considerações a ter em conta. "Se o orçamento é uma continuidade da política anteriormente desenvolvida - como se viu, aliás, na não-aprovação do Orçamento para 2020 na sequência dos incidentes na contagem eleitoral e só em junho desse ano é que o Orçamento entrou em vigor - portanto, durante vários meses o país esteve em duodécimos -, não há (nem houve) nenhum impacto significativo nem na gestão das contas públicas, nem na perceção dos agentes económicos, nem na evolução económica."
"Contudo há aqui outra razão que é totalmente independente", sublinha: "É que um dos partidos muda de liderança." Francisco Louçã salienta que a tradição política portuguesa é que, nessas circunstâncias, o Presidente acomoda os prazos mínimos para que se realize um congresso para a eleição de uma nova direção partidária. E cita antecedentes: "Aconteceu assim quando Guterres se demitiu e houve eleições - e depois Ferro Rodrigues o substituiu -, e, portanto, nessa altura, o Presidente Cavaco Silva fez exatamente o mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa fez agora."
Neste caso, na opinião de Louçã, para não atropelar o direito de um partido eleger livremente um seu dirigente - por causa dos prazos constitucionais para marcação de eleições -, concorda com a marcação das eleições para 10 de março. Mas é "por essa razão, não por uma razão orçamental, nem por nenhum outro motivo, mas por uma questão que creio tem que ver com o respeito pela vida democrata", frisa.
Já concluindo, Eduardo Catroga sublinha que, tendo em conta que no seu entender esta opção de Marcelo Rebelo de Sousa é meramente política e que a gestão por duodécimos não seria assim tão catastrófica, ela "acaba por privilegiar o partido concorrente às eleições". Isto, explica, "na medida em que o orçamento tem um pendor eleitoralista em função da distribuição de dinheiros dos impostos arrecadados, de uma forma muito avultada com a inflação, o que criou um excedente que agora o partido que está no poder pode utilizar fazendo modificações à esquerda e à direita, no sentido de satisfazer a sua clientela eleitoral", frisa Eduardo Catroga.
As reações dos três economistas foram recolhidas, ontem, à margem da cerimónia e lançamento do livro Estórias Dentro da Histórias - 11 Anos do ISEG, que conta pela voz de alumni - dos 95 aos 20 e poucos anos -, as suas vivências dentro desta escola.
Um livro que, inclui ainda textos da jornalista autora do presente artigo, aproveitou em muito as fotos do Arquivo do Diário de Notícias, e também do jornal O Século, depositado na Torre do Tombo. Na coordenação da obra esteve o professor de História da Economia no ISEG, Carlos Bastien, hoje já retirado.