Presidente da República veta lei das barrigas de aluguer

Presidente da República decidiu que lei da gestação de substituição não reunia condições preconizadas pelo Conselho de Ética
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Marcelo Rebelo de Sousa não perdeu tempo e no próprio dia em que recebeu o diploma sobre a gestação de substituição, vulgo lei das barrigas de aluguer, vetou-o. O Presidente da República devolve assim o diploma ao Parlamento, por considerar que "o decreto enviado para promulgação não acolhe as condições cumulativas formuladas pelo Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, como claramente explicita a declaração de voto de vencido do grupo parlamentar do Partido Comunista Português." Na mesma nota, diz Marcelo: "Entendo dever a Assembleia da República ter a oportunidade de ponderar, uma vez mais, se quer acolher as condições preconizadas pelo Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, agora não consagradas ou mesmo afastadas."

Os deputados, sobretudo os do PS e do BE, que aprovaram maioritariamente o diploma, estavam à espera das dúvidas do Presidente, embora considerassem que seria mais desejável que Marcelo promulgasse o diploma, com uma mensagem ao Parlamento. Até porque se diziam disponíveis para alterar o seu teor, desde que "não desvirtuasse o espírito da lei".

A deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos lembrou ao DN que o diploma foi aprovado por larga maioria, que contou até com votos do grupo social-democrata, entre os quais o de Pedro Passos Coelho. Só os deputados do PCP e do CDS votaram todos alinhados contra o projeto de lei, cozinhado num grupo de trabalho que tinha representantes de todas as bancadas parlamentares. "Estamos disponíveis para melhorar e colmatar as falhas que o Presidente entender existirem, mas está fora de questão desvirtuar o espírito da lei", afirma a deputada.

Pelo mesmo diapasão rege-se o deputado bloquista Moisés Ferreira. Antes de serem conhecidas as reticências do Presidente, o deputado mostrava-se aberto a "modificações, desde que se garanta a maternidade de substituição para mulheres sem útero ou com lesões neste órgão reprodutor".

Dúvidas do Presidente

Fontes de Belém afirmaram ao DN que o Chefe do Estado entende que o diploma, aprovado no dia 13 de maio, não acautelava questões como: o que acontece se a gestante de substituição decidir, no final da gravidez, não entregar o bebé aos pais biológicos? O que acontece se a mulher decidir abortar? O que acontece se alguma das duas partes decidir mudar de ideias? Quem decide o que fazer se for detetada uma malformação no feto?

"A lei está feita com os pés", frisa ao DN uma fonte próxima de Marcelo, embora reconheça que o carácter mais geral da lei aprovada permitiu congregar o voto de 24 deputados sociais-democratas.
Maria Antónia Almeida Santos reconhece que "muito foi deixado de fora" do diploma para posterior regulação, precisamente para permitir que este processo tivesse êxito na hora da votação. A deputada socialista, tal como o deputado do Bloco de Esquerda, recordaram que a maternidade de substituição foi um assunto debatido mais de dois anos na anterior legislatura sem sucesso e até na atual foi matéria de discussão no grupo de trabalho durante cinco meses até subir ao plenário. Moisés Ferreira afirma que as dúvidas enunciadas pelas fontes de Belém na comunicação social foram todas elas debatidas no grupo de trabalho. "Foram alvo de grande discussão e sempre admitimos que o diploma não estava finalizado e precisava de regulamentação", sustenta.

O deputado do Bloco de Esquerda reforçou que o projeto de lei inicial da sua bancada foi "sofrendo alterações" ao longo dos cinco meses de discussão. "A versão final foi melhorada em relação à inicial e até acolheu as preocupações do Conselho Nacional de Ética", disse, e insistiu que "houve uma preocupação de consensualização na redação final do diploma".
Passos votou a favor

A 13 de maio, as bancadas do PS (menos dois deputados), BE, Os Verdes, o deputado do PAN e 24 deputados do PSD disseram sim à maternidade de substituição. Entre os sociais-democratas que aprovaram o diploma, contra a orientação da bancada, estiveram Passos Coelho, Carlos Abreu Amorim, Miguel Santos, Sérgio Azevedo, Ângela Guerra, Berta Cabral, Luís Vales, Sara Madruga da Costa, António Leitão Amaro, António Costa Silva, Fátima Ramos, Firmino Pereira, Emília Cerqueira, Álvaro Batista, Duarte Marques, Regina Bastos, Margarida Lopes, Pedro Pinto, Moreira da Silva, Margarida Mano, Rubina Berardo, António Lima Costa, Paula Teixeira da Cruz e Teresa Leal Coelho.

No diploma lê-se que a "celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição só é possível a título excecional e com natureza gratuita, nos casos de ausência de útero, lesão ou doença deste órgão que impeça a gravidez da mulher ou em situações clínicas que o justifiquem".

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