Marcelo governa?
No nosso regime semipresidencial, o Presidente não governa, é o primeiro-ministro que é o chefe de governo. Dentro deste, o ministro das Finanças é o mais importante, já que estrutura o Orçamento que delimita o alcance das políticas de cada ministério.
Ora, os últimos dias serviram para destruir essa imagem da estrutura do sistema político. Em vez de separação de poderes, sobressai um envolvimento intenso do Presidente nas decisões do executivo, seja com Costa seja com Centeno. Do ponto de vista dos equilíbrios institucionais, Marcelo, ao afirmar que continua a confiar em Centeno por imperativo de estabilidade governativa, está a segurar o ministro que não depende oficialmente de si. Ao fazê-lo está a extravasar os seus poderes e, ao mesmo tempo, a fragilizar tanto Mário Centeno como o primeiro-ministro, que é de quem dependem os ministros (artigo 191.º da Constituição). É certo que o próprio António Costa nunca escondeu que tinha uma excelente relação com Marcelo e terá querido colar-se à popularidade deste. Mas esta tomada de posição de Marcelo é contrária ao precedente já longo do exercício dos poderes presidenciais no nosso regime político. Marcelo arrisca também porque ao revelar que está empenhado em segurar um ministro de um governo socialista pode alienar a sua base eleitoral. Os apologistas desta tese andam entusiasmados, mas é bom não esquecer que, em Portugal, as questões de transparência política tendem a ser muito menos valorizadas entre os eleitores do que os resultados económicos. Mesmo assim, dentro do PSD, tanto o episódio TSU como este servem para dar vida a Passos Coelho, que sai fortalecido perante potenciais rivais a líder. Do ponto de vista substantivo, Marcelo tem tido uma leitura voluntarista dos poderes presidenciais, empenhando-se num reforço da capacidade do governo de cumprir compromissos externos. Mas era bom não deitar fora o bebé com a água do banho. As instituições políticas e os poderes constitucionais têm de ser respeitados a par de objetivos mais latos de transparência política. Mesmo quando os governos são minoritários.
Instituto de Ciências Sociais de Lisboa