Marcelo, em coerência
Apesar de pressionado pelo situacionismo da esquerda e pelo tacticismo da direita, o Presidente da República marcou eleições antecipadas para o mais cedo possível num cenário de igualdade entre partidos. Factualmente, 30 de janeiro é o único dia que compatibiliza a brevidade aconselhada pelo bom-senso com o tempo de que a oposição dependia para se resolver internamente.
Dito de outro modo: à estabilidade de que o país precisa ‒ com uma maioria, um governo e um Orçamento em falta ‒ o Presidente respondeu evitando instabilidade na vida interna do maior partido da oposição: o PSD.
Não se intrometendo, Marcelo assegurou que a crise política à esquerda não penalizava, mais do que a própria esquerda, aqueles que não a causaram. Ao fazê-lo, o Presidente da República foi coerente com o que apregoa desde o início do seu mandato, defendendo um governo forte e uma oposição forte, sendo as alternativas sólidas entre si.
Note-se que a Assembleia da República, dissolvida por desacordos à esquerda, vivia já nesse quadro: órfã de bom governo, despida de boa oposição.
Para evitar a repetição do impasse nas legislativas que aí vêm, a premissa de Marcelo ganha pertinência: como vem insistindo, o sistema político beneficia de um centro-esquerda (PS) e de um centro-direita (PSD) competitivos, programáticos, ativos, que se contrabalancem. É isso, afinal, a democracia.
Estando António Costa relegitimado como secretário-geral do Partido Socialista desde finais do verão, é natural que a liderança dos sociais-democratas também vá a votos nacionais só depois de internamente fortificada.
É aí que deteto consciência e continuidade na decisão de Marcelo Rebelo de Sousa: 30 de janeiro assegura que os dois candidatos a primeiro-ministro irão a votos, nesse domingo, em pé de igualdade, como é suposto.
Caso tal não sucedesse, seria aberto um precedente perigoso, em que quem governa poderia causar a dissolução do parlamento cada vez que os congressos da respetiva oposição se aproximassem, colhendo vantagem de um período de convulsão alheia.
Diga-se que, entre a chico-espertice geral e aqueles que receiam enfrentar Rangel à frente do PSD, os únicos que saíram bem da fotografia foram os liberais de Cotrim Figueiredo. Mesmo contra os seus interesses, não procuraram utilizar o calendário eleitoral do país para sua vantagem. Seriam, se assim tivesse acontecido, o único partido na direita democrática com estabilidade interna, o que não é de somenos.
A coerência de Marcelo, no entanto, será novamente testada com o resultado da ida às urnas.
No seu discurso desta semana, o Presidente recordou os três Orçamentos do Estado que viabilizou aos executivos minoritários de António Guterres, quase como que dando a entender que o segundo mais votado em janeiro deverá deixar governar quem chegar em primeiro.
Esse é um cenário que partilha dois adjetivos que Marcelo atribuiu outrora a alguém: é tão otimista quando irritante.
Além de dificilmente haver lideranças no PS e no PSD com vontade de regressar à tradição constitucional rompida por Costa, em 2015, uma alma dona de memória lembrará a Marcelo que nos Açores, há coisa de um ano, tomou posse quem negociou uma maioria parlamentar e não quem ganhou as eleições ‒ nesse caso, o Partido Socialista. Daqui a três meses, logo veremos.