Marcelo com Bolsonaro já a pensar na festa de 2022
A língua em que Jair Bolsonaro pronunciou o juramento na tomada de posse como presidente do Brasil é a nossa. A nossa, no sentido de portuguesa e de brasileira, também de angolana, moçambicana, guineense, cabo-verdiana, são-tomense e timorense. E isso, o falarmos português, faz toda a diferença, independentemente das ideologias. Por isso o presidente Marcelo Rebelo de Sousa está presente em Brasília, e tem encontro marcado com Bolsonaro para dia 2, como Jorge Sampaio esteve na primeira posse de Lula da Silva em 2003 e José Sócrates na de Dilma Rousseff em 2011.
Marcelo é mesmo o único chefe de Estado da União Europeia nesta tomada de posse, o que também não é excecional: Sampaio foi o único presidente europeu também em 2003 e o primeiro-ministro Sócrates em 2011 teve como único homólogo europeu a seu lado o búlgaro Boyko Borisov (o pai de Dilma era búlgaro, a mãe tinha como apelidos Coimbra Silva).
Desta vez falou-se muito da presença do israelita Benjamin Netanyahu em Brasília, tal como do primeiro-ministro húngaro Viktor Orban. Terá que ver em ambos os casos com afinidades ideológicas, sobretudo com o primeiro-ministro israelita a agradecer as palavras de Bolsonaro no sentido do reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Na verdade, Israel tem mais ainda a agradecer ao Brasil, pois foi o brasileiro Oswaldo Aranha a presidir a Assembleia Geral das Nações Unidas que permitiu há sete décadas o nascimento do Estado Judaico, mas nem por isso Netanyahu esteve na tomada de posse de Dilma há oito anos (e já era primeiro-ministro de novo desde 2009. Mas esteve presente então o presidente da Autoridade Palestiniana Mahmud Abbas.
Isto das presenças na tomada de posse tem sempre o seu quê de leitura política, que o diga quem observa as relações entre o Brasil e a Argentina. O presidente Maurício Macri não foi a Brasília e ninguém acredita que não é para não interromper as férias na Patagónia - estará sim desagrado com Bolsonaro ter eleito o Chile como destino da sua primeira viagem ao estrangeiro - Sebastian Piñera sim não deixou de estar presente. E se o novo presidente brasileiro deseja Donald Trump como aliado preferencial, teve de se contentar com a vinda de Mike Pompeo, secretário de Estado, tal como Dilma em 2011 viu os Estados Unidos fazerem-se representar não por Barack Obama, mas por Hillary Clinton, então também chefe da Diplomacia americana.
Basta olhar para dois séculos de história para ver como Brasil e Portugal sempre se relacionaram bem mesmo quando as ideologias, ou os regimes, os tendiam a afastar. Foi tanto assim que D. Carlos, não tivesse sido assassinado em 1908, teria visitado o Brasil republicano para celebrar o centenário da chegada de D. João VI (seu trisavô) ao Rio de Janeiro. E se a ditadura portuguesa coincidiu até 1974 com a ditadura militar brasileira, isso não impediu que após a revolução do 25 de Abril as relações continuassem boas, tão boas como antes de 1964, quando o democrata Juscelino Kubitshek podia visitar Portugal com todas as honras salazaristas.
Por falar em independência, este mandato de Bolsonaro termina a 31 de dezembro de 2022. Ora, o 7 de Setembro anterior assinala o bicentenário da independência do Brasil, feita por um príncipe português (o D. Pedro I do Brasil, o D. Pedro IV de Portugal) e só isso mostra como foi diferente a separação daquela que aconteceu na América espanhola e como tem tudo para ser diferente a relação. Recordemos que D. João VI foi o primeiro monarca europeu a reconhecer a independência do Brasil logo em 1825, quando os Borbón, passado meio século, ainda hesitavam em aceitar a perda do Peru.
Marcelo faz pois muito bem em estar em Brasília. Não por causa da nossa comunidade no Brasil ou da comunidade brasileira cá, ou por causa das trocas comerciais, ou porque se trata da oitava economia mundial. O presidente faz bem em ter estado na tomada de posse porque o Brasil, que todos desejamos democrático e próspero, é um amigo e um aliado tão, tão especial que não se pode fazer de outra forma. E que se comece já a pensar como celebrar esse 7 de Setembro de 2022. Marcelo, se avançar mesmo para um segundo mandato, certamente que gostará de ajudar.