Marcelo arrasa Galamba e promete ser mais "interventivo" e "atento" com Costa
Nem dissolução da Assembleia da República, nem demissão do governo, nem tão pouco o "habituem-se" anunciado por António Costa numa entrevista à Visão. Marcelo Rebelo de Sousa vai fazer o que "uns populares daqueles assim terra a terra", numa conversa recente (que referiu há uns dias), o aconselharam a fazer: "puxando as orelhas de acordo com as circunstâncias" e "quando entender que é justo ir chamando a atenção", mas "nada de eleições agora".
O Presidente da República, que assumiu "uma divergência de fundo com o primeiro-ministro" [no caso Galamba] e uma "diferença de fundo" sobre a "questão da responsabilidade política e administrativa dos que mandam", assegurou que vai "estar mais atento e interventivo no dia-a-dia" para evitar "o aparecimento e o avolumar de fatores imparáveis e indesejáveis".
Para não recorrer à dissolução, que seria "juntar problemas aos problemas que neste momento os portugueses já têm", e até porque "os portugueses dispensam esses sobressaltos, essas paragens, esses compassos de espera, num tempo como este", Marcelo Rebelo de Sousa prometeu "ir sinalizando, ao longo destes mais de dois anos e meio, de modo mais intenso tudo aquilo que possa afastar os portugueses dos poderes públicos".
E identificou "fraquezas" da governação que causam "maior deterioração" na vida do país que o que quer é "ver os governantes a resolverem os seus problemas do dia a dia, os preços dos bens alimentares, o funcionamento das escolas, a rapidez na justiça, o preço da aquisição da habitação".
"Apesar de alguns grandes números muito positivos da nossa economia e de apoios a famílias e empresas, esses grandes números ainda não chegaram à vida da maioria dos portugueses. Eles esperam e precisam de mais e melhor. Esperam e precisam de um poder político que resolva mais e melhor os seus problemas. Isso exige: capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade, autoridade", avisou.
E a "autoridade", sublinhou, "para existir, ser confiável, ser credível, ser respeitada, tem de ser responsável". Conclusão? "Onde não há responsabilidade - na política como na administração - não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade".
Marcelo Rebelo de Sousa, que lamenta que "desta vez" não tenha sido possível "acertar agulhas" com "foi sempre" no passado "com o maior ou menor distância temporal", explicou que a demissão que pediu, e defende, do ministro das Infraestruturas se baseou não em "razões pessoais ou de disputa entre cargos, que a Constituição distingue muito bem entre si, em termos de peso institucional absoluto e relativo, mas por razões de interesse nacional".
Garantindo "continuar a preferir a garantia de estabilidade institucional", o Presidente da República deixou um aviso aos que o tentam fragilizar e que por "aí andam com cenários que implicam imediata e direta ou indiretamente o apelo ao voto popular antecipado": "Comigo não contem para criar conflitos ou para deixar crescer tentativas, isoladas ou concertadas, para enfraquecer a função presidencial envolvendo-a em alegados conflitos institucionais".
Boa parte da mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa foi dedicada, como se fosse uma aula de política, a explicar por que razão o ministro das Infraestruturas "deveria ter sido exonerado".
Três perguntas e três conclusões que ultrapassam, em muito, o caso Galamba e que servem de aviso porque não abdica de ser "o último fusível de segurança" para "assegurar" que "aqueles que governam cuidam mesmo da sua responsabilidade".
"Como pode um ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar, ainda que para efeitos de informação num dossier tão sensível como o da TAP onde os portugueses já meteram milhões de euros, e merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas, preparando outras reuniões, essa públicas, na Assembleia da República?"; "Como pode esse ministro não ser responsável por situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis - as palavras não são minhas - suscitadas por esse colaborador, levando a apelar aos serviços mais sensíveis da proteção da segurança nacional [o SIS], que aliás, por definição, estão ao serviço do Estado e não de governos?"; "Como pode esse ministro não ser responsável por argumentar em público sobre aquilo que afirmara o seu subordinado, revelando pormenores do funcionamento interno, incluindo referências a outros membros do Governo?", questionou Marcelo Rebelo de Sousa.
Respostas? Primeiro uma frase de síntese: "Responsabilidade política e administrativa é essencial para que os portugueses acreditem naqueles e naquelas que governam".
Depois veio a aula sobre "autoridade, respeito, confiança, credibilidade" porque "um governante sabe que ao aceitar sê-lo, aceita ser responsável por aquilo que faz e não faz. E também por aquilo que fazem ou não fazem aqueles que escolhe e nos quais é suposto mandar".
Primeira explicação: "Não se resolve apenas pedindo desculpa pelo sucedido. Responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou deixou de fazer. Não se afasta por razões de consciência pessoal [argumento usado por Costa] de quem aprecia essa responsabilidade, por muitos respeitáveis que sejam".
Segunda explicação: "É uma realidade objetiva. Implica olhar para os custos objetivos daquilo que aconteceu na credibilidade, na confiabilidade, na autoridade do ministro, do Governo e do Estado".
Terceira explicação: "Não se mistura política com justiça. Não se paga dizendo que já passou. Não passou, nunca passa. Reaparece todos os dias, todos os meses, todos os anos".
E por fim a conclusão: "Tudo isto tem de existir para que os portugueses não se convençam de que ninguém responde por nada, nem manda em nada".
Se desta vez, exigiu do Governo "capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade, autoridade" garantindo ir estar "atento e interventivo", em janeiro, no discurso de Ano Novo, acentuou, tal como agora, a tónica na estabilidade política, mas alertava que "maioria absoluta" obriga a "responsabilidade absoluta" e que só "o Governo e a sua maioria a podiam enfraquecer ou esvaziar, ou por erros de orgânica, ou por descoordenação, ou por fragmentação interna, ou por inação, ou por falta de transparência, ou por descolagem da realidade".
As "coisas neste mundo que são do outro mundo", como disse na entrevista à RTP, não foram suficientes para a queda do governo porque a "garantia da estabilidade" é o que o moverá desde que haja "sensatez e sentido de Estado de todos".
Ausente desta mensagem ficou qualquer referência sobre "alternativas" que Marcelo Rebelo de Sousa já disse não existirem em "termos políticos" pois a "oposição tem que transformar aquilo que é o somatório dos números [nas sondagens] numa alternativa política".
Todos os partidos reagiram de imediato às palavras do Presidente da República, excepto o Partido Socialista que tinha previsto declarações a partir da sede nacional mas cancelou.