Marcello Novaes: "Levei muitos "tapas" da Carminha, até desloquei o maxilar"

Aos 50 anos e com 31 de carreira - 25 dos quais na TV -, o Max de "Avenida Brasil" diz que não deu pelo tempo passar. Assume os "sacrifícios" que fez pela profissão, conta como lida com a fama e confessa que a vontade de ser anónimo "bate a toda a hora". De novo solteiro, continua a acreditar "piamente no amor" e emociona-se a falar dos filhos.
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Carlos Lombardi, autor de novelas com quem trabalhou em Quatro por Quatro (1994) e Vira Lata (1996), disse numa entrevista o seguinte: "Se o Marcello [Novaes] não fosse bonito, as pessoas diriam que ele é um ótimo comediante." Tem alma de comediante?

Sim, com certeza! Não só no trabalho como na vida, acho que o bom humor é importantíssimo e foi uma vertente em que no teatro e na televisão tive bastante sucesso que e gosto de fazer. Tem uma leveza diferente de quando se faz uma personagem pesada.

E ser bonito é uma vantagem ou alguma vez a sua imagem jogou contra si?

Confesso que nunca usei a minha beleza em função de nenhuma personagem, a não ser que tenha sido escalado para isso. Sempre tentei crescer profissionalmente com as minhas personagens, acho que consegui, venho conseguindo esse crescimento como ator e a responsabilidade vem sendo maior. Estou a virar um senhor de 50 anos, mas sinto-me bem, muito bem mesmo. Acho que tive sorte em ter essa genética, mas nunca me aproveitei disso para nada, é como uma consequência normal do meu trabalho. Mas preferia ser feio e bom ator.

Considera-se um homem bonito?

Feio não sou, mas tem umas coisinhas que eu mudaria [risos].

Por exemplo?

Ter mais cabelo, talvez, que está meio ralinho, umas cicatrizes da vida... mas não tenho o que reclamar, na verdade estou satisfeito, sempre pratiquei muito desporto, sempre cuidei muito de mim, não só no sentido físico como mental e procuro crescer e ir evoluindo.

Carlos Lombardi também disse um dia que o Marcello "é um dos poucos profissionais que não têm medo de interpretar um idiota e viver o ridículo". Tem um lado meio louco, é isso?

Com certeza [risos]. Acho que todo o mundo tem um lado louco e um lado são. Lombardi é um grande amigo, tenho uma grande admiração por ele e acho que quando ele diz isso é porque sabe que eu me empenho, que dou tudo o que tenho para aquele projeto. Encaro isso como um elogio, gosto do que faço e tudo isso facilita.

Para além do físico, as suas personagens vivem sempre muito do humor. Nunca teve medo de perder a graça?

Não tenho medo. Gosto da comédia, do drama também, e com uma personagem bem escrita a probabilidade de ter sucesso é grande. Acho que, no máximo, a piada pode não acontecer, mas cresci a fazer mais comédia do que qualquer outra coisa e aprendi um pouquinho, por isso, é uma área em que me sinto confortável.

O sucesso de Max em "Avenida Brasil"

Em Avenida Brasil, que deu que falar no Brasil e por cá faz sucesso na SIC, interpreta o seu primeiro vilão numa novela de horário nobre, ao fim de 31 anos de carreira. Demorou a chegar a oportunidade...

Isso sucede porque antigamente acontecia mais os atores que faziam comédia só fazerem comédia e os que faziam drama só fazerem drama. Isso mudou um pouco e hoje os autores e diretores abrem mais as portas para que os atores possam mostrar o outro lado, a outra vertente da representação. Eu considero-me muito sortudo nesse sentido porque posso ter feito mais comédia, mas também fiz coisas bem diferentes. E tive a sorte de poder viver esse papel [de Max] que é diferente de tudo o que já fiz.

Como foi vestir a pele de Max? Esperava que a personagem tivesse tanto êxito?

Tenho de confessar que esperava o sucesso da novela como um todo. Sendo a história do João Emanuel [Carneiro] - ele é muito promissor, muito talentoso, um génio, o melhor autor de novelas que temos atualmente -, tinha o conforto de saber que o projeto seria bom, mas não sabia que o Max iria render esse sucesso todo. O Max era para morrer entre o capítulo 100 e 120 e o autor deixou para uma semana antes do fim... Mas o sucesso da novela deve-se ao todo, ao autor, aos diretores, ao elenco, à equipa técnica, às câmaras, enfim...

O Max é um malandro que faz tudo por dinheiro e que gosta de viver à custa dos outros. Mas, no fundo, é carente. Tem alguma coisa de Marcello Novaes nele?

Não vejo o quê, a não ser a parte física e nessa não tem jeito mesmo [risos]. O Max é a primeira personagem totalmente distinta de mim, que tenho uma família maravilhosa, tive uma educação muito boa, então o Max foi o mais distante e por isso deu bastante trabalho porque exigiu muito de mim.

O que é que lhe diziam na rua a propósito do Max?

"Cuidado com a Carminha, não vai na onda dela! Ela está a aproveitar-se! Cuidado com Tufão!" É engraçado porque às vezes esperamos que a reação seja mais abrupta, mais violenta, mas não. As pessoas, talvez também pelo meu histórico, sabem que já fiz muita comédia e que é um ator interpretando... não tive problema nenhum.

Curiosamente, mesmo sendo um mau caráter, o Max também faz enorme sucesso entre as crianças...

Muito, é impressionante! Foi uma coisa que eu não entendi, porque é que gostavam tanto do Max. Talvez porque ele também tinha um lado cómico e isso equilibrou um pouco os ânimos.

No Brasil, a novela já acabou há alguns meses. Foi fácil desligar-se da personagem?

Desligo-me com facilidade. Aliás, ligo e desligo com facilidade. É como num carro, na hora de trabalhar ligo e quando vou para casa desligo.

Em Avenida Brasil mostra muito o corpo. O Max aparece sem roupa e em cenas quentes com a personagem Carminha, interpretada por Adriana Esteves. A sua química com ela ajudou ao sucesso?

Claro. E faz muita diferença quando contracenamos com um ator ou com uma atriz da qualidade da Adriana, com a garra e o empenho que ela tem, a genialidade dela. Adriana não só é uma grande colega como é uma atriz muito profissional, muito estudiosa, que leva tudo muito a sério. Tanto que levei muitos "tapas" fortíssimos, o meu maxilar saiu do lugar uma vez com a repetição de "tapas".

Como foi isso?

Foi numa cena que estava difícil, a Carminha tinha de bater no Max e batia, batia... A nossa diretora disse à Adriana: "Vai, que o Marcelo é forte, ele aguenta." Nem tanto assim [risos].

A propósito das cenas quentes entre colegas, como é que separa a ficção da vida real? É difícil gravar cenas de paixão e sexo, ter de fingir que se sente e, depois, ir para casa e esquecer tudo isso?

Acho que tudo é possível. Por experiência própria, eu tive a história com a Letícia [Spiller], que é uma pessoa extremamente importante na minha vida hoje, com quem contracenei durante dez meses, éramos esse tipo de profissionais, amigos, que se beijavam, tínhamos uma intimidade em cena muito grande e acabava, cada um ia para sua casa. E veio o sentimento, apareceu a paixão. Tenho um respeito muito grande por esse acaso da vida, não estamos livres de nos apaixonarmos por um colega de trabalho, como em qualquer profissão.

E o beijo técnico, existe mesmo ou é só uma boa desculpa para dar à mulher ou à namorada para não ter ciúmes?

Existe o beijo técnico e o não técnico. Há diretores que pedem que o beijo aconteça de forma mais real, às vezes acham que vai fazer a diferença. Também há atores que preferem, há os que não ligam...

E no seu caso?

Já dei muito beijo técnico e muito beijo de verdade. Às vezes, inconscientemente, estamos a beijar e sai um pouquinho uma língua... mas não é de uma forma desrespeitosa.

Foi fácil fazer as cenas de beijos com Adriana Esteves em Avenida Brasil?

No caso, já nos conhecíamos, já trabalhámos juntos e 90% dos beijos foram técnicos.

O sucesso de Max faz lembrar o de outra personagem sua que foi marcante, o mecânico Raí de Quatro por Quatro (1994). Houve um antes e um depois do Raí e há um antes e um depois do Max?

São duas personagens que se tornaram ícones da teledramaturgia e divisoras de águas, no sentido profissional. São personagens que você trabalha muito, aprende muito com elas, convive com elas 12 a 16 horas diariamente...

Ainda hoje há quem o veja como Raí...

Foi o primeiro protagonista que fiz, teve grande sucesso e até hoje, mesmo agora com o Max, ainda há gente que me chama Raí. O Raí entrou para a história, vai ficar para sempre.

Entrou em mais de 20 telenovelas, séries e minisséries. Consegue escolher a personagem que mais gostou de fazer?

Houve muitas que adorei fazer, todas foram interessantes, aprendi e tenho orgulho de ter feito. Acho que sem elas, mesmo as que não tiveram sucesso, não faria o Max tão bem. Nenhuma personagem eu jogaria fora ou deixaria de fazer.

Há 25 anos que o vemos no ecrã, quando se estreou na novela Vale Tudo, em 1988. O Marcello Novaes tinha 25 anos na altura. Deu pelo tempo passar?

[pausa] Vinte e cinco anos não parece que tem, não. Parece que passaram dez. Não sei se é porque estou com 50, e as pessoas geralmente dizem que o tempo vai passando mais rápido, ou se realmente está a passar mais rápido para todos, mas com 31 anos de carreira pareceu menos. Mas lembro-me de momentos bem críticos em função do excesso de dedicação, do trabalho que exigiu. E como o Raí, o Max também exigiu muito sacrifício, tive de abrir mão de muita coisa...

Por exemplo?

Não conseguia ir ao dentista, viajar no fim de semana, ficar com os meus filhos, estar com os meus amigos, fazer desporto... tem uma lista grande [risos]. É uma dedicação de dez meses, às vezes 12, porque o trabalho não começa quando a novela se estreia, há a preparação, o trabalho de pesquisa, de estudo...

Quando aceitou entrar em Avenida Brasil já sabia o que o esperava, ou não?

Quando comecei a novela tinha noção da dimensão do projeto, do que exigiria de mim, e avisei a família e amigos. Pela experiência que tinha, disse aos meus filhos, que moram comigo: "Vai ser pesado, o pai vai ficar distante um pouco, tenham paciência."

E eles lidaram bem com a sua ausência?

Sim. São os dois muito carinhosos, têm uma cabeça muito boa, temos um diálogo muito grande.

Crente noutras vidas

Sei que aos três anos já imitava o cantor Roberto Carlos em casa. Era um sinal de que iria ficar ligado à vida artística?

Acho que sim [risos]. Tem quem acredite, algumas religiões, que reencarnamos. Eu sou dos que acreditam que pode haver reencarnação, sou espírita, acredito que vamos para outro lugar, a morte fica mais leve nesse sentido. E quem sabe se eu não fui artista, músico - também gosto muito de música, toco um pouco de alguns instrumentos -, quem sabe se isso já estava dentro de mim, se no sangue tinha uma veia artística.

E ainda se recorda dessas cantorias?

Lembro-me muito bem desses dias, vestia um casaco do meu pai, usava um cachimbo, punha o vinil a tocar no quarto e dizia ao meu pai e à minha mãe para se sentarem. Passava a música do Roberto Carlos e eu começava a dobrá-la [risos].

Acabou por se tornar ator. Se não o fosse, que profissão teria seguido?

Achei que iria para o lado do automobilismo, porque gosto muito de carros. Acho que seria desportista. Também jogava futebol, pegava ondas...

Como surge, então, a paixão pela representação e, sobretudo, pelas novelas?

Os meus pais eram, e são, muito noveleiros. E tínhamos o costume de, logo após o jantar, assistir à novela, era uma tradição como ainda é hoje de muitas famílias. Acho que esse costume fez-me interessar, eu era apaixonado pela [atriz ]Renata Sorrah e até falei disso com ela mais tarde [risos]. Tudo isso pesou e um amigo meu levou-me depois para o teatro e foi lá que tudo começou.

E como era Marcello na escola? Foi bom estudante?

Até um determinado momento sim, depois não. Completando o segundo grau [ensino secundário no Brasil], confesso que queria mais ir para o teatro. Estudava o que precisava e comecei a trabalhar muito cedo, aos 17 anos, pintava pranchas. Estudava de manhã, trabalhava à tarde e fazia teatro à noite.

Os seus pais aceitaram bem quando decidiu seguir a profissão de ator?

Os meus pais são peças importantíssimas na minha carreira. Na época, quando escolhi ser ator, existia um preconceito bem maior, principalmente dos mais idosos. Ser ator é uma profissão ainda instável, mas hoje tem um sucesso maior. Os meus pais perguntaram-me: "É isso que você quer? Tem a certeza? Então empenhe-se e faça o melhor que puder."

Na sua carreira já fez de mecânico, guerrilheiro, caipira, surfista, malandro. Que personagens sonha ainda interpretar?

Tudo o que não fiz. O ator anseia por personagens que não fez ainda, por desafios.

Por onde passa, quer no Brasil quer em Portugal, que visita pela sexta vez, não passa despercebido. Como lida com o mediatismo e a fama?

Sou muito tranquilo. Acho que o ator, o artista que se torna conhecido, tem de saber automaticamente que ao sair à rua, em lugares públicos, vai encontrar pessoas que têm curiosidade de o ver, de o conhecer. Eu tenho uma relação muito saudável com o público, tenho muita paciência, tiro fotografias sempre que possível. Nos dias em que não posso ou não estou para isso, evito esses lugares para que não fique de mau humor ou não possa dar a atenção devida. Mas evito deixar de fazer algo de que gosto, como ir à praia, correr, jogar vólei... Sei que vou estar sujeito a ser fotografado, a ser assediado, mas vou porque não quero abrir mão de coisas que são importantes para mim.

Nunca teve vontade de voltar a ser anónimo?

A vontade de ser anónimo bate a toda a hora, mas não no mau sentido. Às vezes dá vontade de chegar a um lugar e ser uma pessoa comum. Não sou mais uma pessoa comum devido ao meu trabalho, mas esse custo trouxe-me muitos benefícios, como estar aqui, vir a Portugal, poder passear...

Por falar em Portugal, no Brasil os portugueses continuam a ser alvo de piadas. Que opinião tem, afinal, o povo brasileiro, dos portugueses?

Maravilhosa, imagina! Não tem nada que ver. São brincadeiras, sei lá porque pegaram. Quando me dei conta como gente já havia piadas sobre portugueses. E se tiver humor...

Eterno "garotão" amadureceu

Passa a imagem de eterno garotão. Disse numa entrevista que já "aproveitou muito a vida". Esse garotão já cresceu?

Cresceu inevitavelmente em todos os sentidos, profissional, familiar... mas a época em que mais amadureci foi quando nasceram os meus filhos, por deixar de pensar só em mim, na minha mãe e no meu pai, mas sim em ter uma família. Desejo educá-los da melhor forma possível, da minha forma, dou o máximo que posso. Um dia vou ter de ir e que possa deixar-lhe um legado como os meus pais me deixaram a mim, maravilhoso.

É um pai-galinha para os seus dois filhos, Diogo, de 18 anos, e Pedro, de 16?

Quando no Brasil se diz pai-galinha é um pai mulherengo [risos]. Aqui é um pai protetor? Então sou... um pai galão [risos]. Sou apaixonado pelos meus filhos, são dois caras diferentes, em todos os sentidos. São crianças, dão trabalho, mas são muito dóceis, carinhosos, dois caras muito bacanas, tive sorte [emociona-se].

Disse um dia que não se importava de que eles seguissem a vida artística mas que primeiro teriam de estudar. Eles cumpriram o que o pai mandou?

Fizemos uma combinação, eu e as mães deles: que terminassem o segundo grau porque vai ser importante para a carreira deles, seja qual for. Depois fazem curso de teatro, não reprimo ou desincentivo esse lado deles, mas por enquanto é preciso estudo. Eles já fizeram participações em curtas ou filmes, quando dá, nas férias, esse é o acordo e eles concordam.

Algum deles quer seguir as suas pisadas?

Sim, principalmente o Pedro, o mais novo. Vejo nele um talento de artista, acho que no caso dele não tem jeito, vai ser realmente ator.

Diogo, o seu filho mais velho, é fruto da relação que manteve com a empresária Sheyla Beta, e Pedro, o mais novo, do seu casamento entretanto terminado com a atriz Letícia Spiller. Curiosamente, Marcello conseguiu a proeza de ficar amigo das suas duas ex-mulheres. Qual é o segredo?

Respeito, admiração e discernimento, porque pode deixar de ser minha mulher mas foi uma pessoa que amei, por quem me apaixonei, com quem tive filhos, então continuo admirando-as pelo que sempre foram e pelo que representam.

E atualmente está solteiro?

Sim, estou solteiro.

Deixou de acreditar no amor?

Não, de jeito nenhum! Acredito piamente no amor!

Completou meio século no ano passado. Não tem medo de envelhecer?

Não. Não me sinto velho nem impotente. Sinto-me muito bem fisicamente.

Qual é o segredo da sua boa forma?

Sempre fiz desporto, é preciso cuidado com alimentação, com a parte física e também psicológica. E não levar as coisas tão a sério, mas com humor. Nisso ainda estou a trabalhar, falo mas ainda há muita coisa para ajustar [risos].

O que vê quando se olha ao espelho?

Cabelos brancos, mais rugas... mas aí consigo abrir um sorriso e dizer: você ainda tem disposição para bastantes coisas, vamos embora?

E o que gostava de ver daqui a 20 anos?

O meu sorriso. Se puder olhar-me e fazer humor com o que estou a ver e puder dizer "ainda estou vivo"... é tudo o que gostaria de ter: saúde e paz.

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