Marcello Caetano e António Costa (1973-2023)

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Há precisamente 50 anos, em 1973, o advogado José Magalhães Godinho escreveu uma Carta Aberta ao presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano. O subscritor ficou ligado à resistência contra o totalitarismo e relacionou-se bem com correntes políticas diversas da sua, mas manteve-se sempre coerente nos combates que travou pelas liberdades públicas e pela democracia. Em 1961, foi redator e um dos signatários do Programa para a Democratização da República.

Em 1969, José Magalhães Godinho escreveu uma primeira carta a Marcello Caetano, sem efeitos. Volta a fazê-lo em 1973, confiante de que seria a última Carta Aberta que lhe dirigia, porque, segundo escreve, "dada a feição que as coisas tomaram e a forma como V. Ex.ª entendeu dever nortear a sua ação política, tudo leva a crer que daqui a outros 4 anos, ou nem sequer haverá eleições, ou, então, já não será V. Ex.ª que a elas presidirá."

Nesta carta, Magalhães Godinho fala das "situações embaraçosas" para a dignidade do cargo de Marcello Caetano: "o povo português está hoje mais divorciado e distante de V. Ex.ª, e ciente de que nada tem de esperar do seu Governo, e não alcança aonde conduzirá a política que vem sendo seguida." E adianta: "É certo que foram aumentando as pensões aos reformados, as de sobrevivência, e foram concedidos aumentos ao funcionalismo público e novas regalias às Forças Armadas. Mas isso já toda a gente sabe e percebeu que, além de ser muito útil num país despolitizado e em proximidade de eleições, não é obra do Governo de V.ª Ex.ª, mas sim obra imperiosa do tempo e das circunstâncias."

Há 50 anos, o advogado lembra ao líder do Governo que essas benesses não impediam "o aumento crescente da fuga de mão-de-obra pela emigração, deixando campos e campos ao abandono; as deserções da função pública ou administrativa em busca de melhor remuneração no sector privado." E adianta: "Dantes era só o chefe de Estado que fazia umas tantas deslocações, não em excesso em todo o caso, e para estar presente em cerimónias julgadas merecedoras de tão elevada presença. Agora, além de essas viagens se terem multiplicado extraordinariamente, também o chefe do Governo é raro o fim-de-semana que não aparece (...), os ministros, secretários e subsecretários deslocam-se a toda a parte permanentemente para inaugurações seja do que for".

O subscritor refere que a repressão subiu de tom contra estudantes, trabalhadores e sindicatos, designadamente, os caixeiros, os bancários, os da TAP e outros. E apela: "Falar claro, tem de ser o lema de governantes nos tempos de hoje [1973], e isto doa a quem doer, quaisquer que sejam as consequências."

Em 2023, não temos guerra que nos mate vidas, consuma dinheiro e, por isso, impeça investimentos. Hoje, porém, a um ano do cinquentenário do 25 de Abril, continuamos a ter níveis assustadores de pobreza e uma classe média desestruturada. Em 1973, também, nas Declarações de Princípios e Programa do Partido Socialista, considerava-se que "a coletivização do sector imobiliário é a condição necessária para eliminar a especulação com as carências habitacionais", que se mantêm, por exemplo. Este Partido - que nunca se assumiu, como devia, pela defesa de uma social-democracia moderna e progressista, preferindo o epíteto do socialismo - desgoverna presentemente um país aniquilado. O Governo dito socialista sofre de desnorte, pelo percurso errático de opções governativas, de compadrio familiar em detrimento dos seus melhores quadros, de aparente desejo do crescimento dos extremismos por tática política, de má gestão dos fundos comunitários e por não saber ou querer falar claro e construir uma esperança para Portugal.

Até parece que as palavras de José Magalhães Godinho são dirigidas, hoje, a António Costa. Infelizmente para o povo português, Costa arrisca-se a ficar na história da democracia portuguesa como um dos piores primeiros-ministros de Portugal, antirreformista, e malabarista da política desde a deslealdade a António José Seguro.

*Professor universitário

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