Marcel Hirscher, o austríaco que reescreve a história do esqui alpino

Seis vezes campeão mundial e da Taça do Mundo, superou marca do lendário compatriota Hermann Maier. Falta-lhe só o ouro olímpico
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Em agosto do ano passado, após fraturar o tornozelo esquerdo no primeiro treino de pré-temporada, nas montanhas alpinas de Caríntia (Áustria), a pergunta que Marcel Hirscher mais ouvia era: "Será ele capaz de voltar ao mesmo nível de antes, quando recuperar?" Uma incerteza, de resto, que o próprio esquiador austríaco admite também ter tido. Cinco meses depois, a dúvida caiu no ridículo.

O austríaco, de 28 anos, nome maior do esqui alpino masculino na atualidade, não só regressou com as qualidades intactas como tem esticado o domínio que o levou a conquistar as últimas seis edições da Taça do Mundo (um feito inédito). E, no último domingo, ao vencer o slalom gigante em Garmisch-Partenkirchen, superou o lendário compatriota Hermann Maier como o esquiador austríaco com mais vitórias de sempre na competição: 55 - entre os homens, só o "inacessível" sueco Ingemar Stenmark tem mais: 86 vitórias, entre 1973 e 1989.

A proeza de Hirscher foi salpicada por uns pingos de polémica a meio da última semana, quando ganhou o slalom em Schladming, na sua Áustria natal, onde uma pequena parte do público local resolveu atirar bolas de neve ao principal rival, o norueguês Henrik Kristoffersen, durante a prova deste, dois dias depois de o norueguês ter interrompido o domínio de Hirs-cher, em Kitzbuhel (também na Áustria). Por isso, antes de celebrar aquela que era, na altura, a 54.ª vitória na Taça do Mundo, Marcel fez questão de pedir desculpa ao rival. "Lamento muito pelo Henrik, por 0,1% do público ter sido desrespeitoso com ele. Ele não merecia isso."

Mas esse incidente não pode manchar um palmarés reconhecidamente notável do rei do slalom, que tem reescrito a história da modalidade nos últimos anos. "É um sonho tornado realidade", comentou ainda em Schladming, ao igualar o número de triunfos de "Herminator", como ficou conhecido Hermann Maier. "Poder ter a honra de superar uma lenda como Maier é uma loucura. Em setembro eu nem sabia sequer como iria apresentar-me esta época, quanto mais sonhar em chegar a essa marca", recorda o esquiador, para quem a lesão no primeiro treino da época até acabou por ter um efeito positivo. "Retirou-me qualquer pressão para a temporada", admite.

A lesão que lhe mudou a vida

Esta não é a primeira vez, no entanto, que Marcel Hirscher surge mais forte após um contratempo físico. De resto, o austríaco costuma mesmo atribuir a uma lesão, em 2011, uma importância decisiva na sua carreira. Nessa altura, a menos de uma semana dos campeonatos do mundo, em fevereiro, partiu o pé esquerdo durante uma descida de slalom gigante e perdeu o resto da época. Então, Hirscher ainda não tinha nenhum dos seis títulos mundiais e seis conquistas da Taça do Mundo que recheiam agora o palmarés do melhor esquiador alpino da atualidade. E havia receios de que tanto o seu pé como a sua carreira nunca mais recuperassem totalmente.

Não foi isso que aconteceu, está bom de perceber. Marcel Hirscher aproveitou o tempo de recuperação, enquanto via os campeonatos do mundo sentado no sofá, para reforçar a determinação. "Foi a primeira grande lesão da minha carreira e acho que isso mudou muitas coisas na minha vida", confessou o austríaco, numa entrevista ao jornal New York Times, em 2013. "Durante aquele tempo difícil pensei muito na minha carreira, no que queria fazer. E reforcei a certeza de que ser um esquiador profissional era a coisa mais importante da minha vida", contou Hirscher, habituado a esquiar praticamente desde que nasceu, na pequena aldeia de Annaberg, nos Alpes austríacos, onde o pai dirige uma escola de esqui.

Recuperado da lesão e motivado como nunca, Marcel regressou às pistas no início da época de 2012 para começar então um domínio sem precedentes no universo do esqui alpino, com a conquista de seis Globos de Cristal consecutivos (o troféu destinado ao vencedor da classificação geral da Taça do Mundo, a competição anual e mais importante da modalidade), numa série que está em vias de prolongar-se este ano.

À concorrência, resta lidar com a frustração de partilhar o mesmo tempo histórico com um dos melhores esquiadores de sempre. "Ele conseguiu trazer a arte de esquiar para um outro nível", reconhece o veterano alemão Felix Neureuther, de 33 anos, que ganhou a primeira descida de slalom desta época, em Levi (Finlândia), em novembro, beneficiando de Hirscher estar a fazer aí a sua primeira prova no regresso à competição após a lesão (foi 17.º).

Marcel atribui a maior parte do crédito ao pai, Ferdinand, ainda hoje um dos seus treinadores. "Ele sempre insistiu comigo para aperfeiçoar a técnica. Dizia-me: "se queres ganhar corridas, seja a que nível for, tens de ser tecnicamente brilhante." E isso foi o mais importante para a minha carreira, ter esta técnica", contou ao NY Times.

O ouro que falta

Agora, fica a faltar apenas um "pormenor" para completar o palmarés de Marcel Hirscher: um ouro olímpico, que lhe escapou no slalom de Sochi, em 2014, para o compatriota Mario Matt.

Com os Jogos Olímpicos de Inverno 2018, em Pyeongchang, a pouco mais de uma semana de distância, a oportunidade volta a cruzar-se no caminho de Hirscher. Mas o austríaco garante que não perde o sono com isso. "Naturalmente que gostava, mas não preciso do título olímpico para me sentir realizado. Isso não vai mudar a minha vida", refere aquele que é, sem contestação, a grande estrela masculina do esqui alpino atual (e um dos melhores de sempre). Com ou sem ouro olímpico.

Para já, Hirscher só quer mesmo desfrutar do novo recorde austríaco de vitórias. "A Áustria é um país de esqui, onde este tipo de recordes significa muito", justifica.

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