Marcar exame às varizes vai passar a demorar meses

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Acordo interrompido. Administrações Regionais de Saúde e clínicas acordaram cobrar menos pelos exames às varizes, embora estes não tenham apoio. Quebra de 'acordo' vai obrigar utentes a ir a hospitais, que têm meses de espera só para consulta. Antes, os convencionados marcavam logo exame

Os portugueses com problemas venosos ou arteriais (varizes, por exemplo) vão passar a ter de suportar na totalidade o exame de diagnóstico, o ecodoppler dos membros inferiores, que custa entre 80 e 140 euros. O exame nunca foi comparticipado, mas os utentes beneficiavam de um acordo de cavalheiros entre as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e as clínicas privadas. O utente não isento de taxas moderadoras só tinha de pagar oito euros. No dia 1 deste mês, o acordo foi interrompido, o que significa que, se não forem ao hospital, todos os utentes terão de pagar o preço tabelado. No hospital, muitos dos portugueses com varizes (65% da população) terão de esperar meses por uma consulta (hoje são seis a sete). E só para marcar o exame.

Foram mais de 15 anos a dar a volta à questão. O médico de família pedia um ecodoppler dos membros inferiores; a clínica "enviava para a ARS a factura com o código de outro exame, neste caso, a ultrassonagiografia subclávia e axilar, que é apoiada", diz o cirurgião vascular Serra Brandão. A ARS aceitava. "Quando o problema surgiu [anos 80], a própria ARS deu indicações às clínicas para colocar nas credenciais o código do outro exame." Não era o ideal, mas todos concordavam com a solução, em benefício dos utentes.

"A partir do dia 1 de Agosto isso deixou de ser possível. A ARS passou a pagar só os exames indicados como ultrassonagiografia subclávia e axilar ou ultrassonangiografia carotídea e vertebral, dois exames que raramente são pedidos", sublinha o director do Instituto de Recuperação Vascular, em Lisboa.

A este exame, que terá de ser pago nos convencionados quer pelos utentes não isentos quer também pelos isentos, juntam-se outros dois que ficam por apoiar. No caso, o ecodoppler cardíaco e da aorta.

De acordo com o Ministério da Saúde, os utentes do SNS vão continuar a ter acesso a estes exames, tendo, no entanto, de passar a dirigir-se aos hospitais, reafirmando que nunca tiveram qualquer apoio estatal previsto numa tabela.

Armando Santos, presidente da Associação Nacional das Unidades de Diagnóstico, refere que a mudança vai implicar "a incapacidade de resposta do sector público, que até agora não tinha lista de espera. De outra forma, a população não vai ter dinheiro para os pagar".

Alguns hospitais admitiram ao DN que o acesso aos exames pode complicar-se. "É evidente que a resposta do serviço público não é suficiente e é por isso que se tem recorrido aos convencionados", avança Correia da Cunha, director clínico do Hospital de Santa Maria.

Serra Brandão antecipou o que vai suceder: "As pessoas vão ter de marcar consulta primeiro no hospital, porque não podem simplesmente ir lá com uma credencial do médico de família. Depois têm de esperar mais para marcar o exame e nova consulta." A espera para uma consulta de cirurgia vascular é, em média, "de seis a sete meses actualmente". Tempo que se vai multiplicar durante todos os passos do tratamento, com "a sobreprocura", admite Correia da Cunha. Uma grande parte destes doentes é idosa "e, por vezes, um exame destes custa o total da sua reforma", lamenta Serra Brandão.

Diabéticos são casos urgentes

O panorama em Portugal não é animador. O cirurgião vascular explica que dois terços da população adulta sofre de doença venosa, vulgarmente designada por varizes. "Estes exames são imprescindíveis para fazer o diagnóstico e proceder a tratamento ou cirurgia."

A estes problemas juntam-se outros mais graves, nomeadamente as arteriopatias, associadas à aterosclerose ou à diabetes. No caso dos diabéticos, 900 mil a um milhão de portugueses, há obstruções venosas que impedem a oxigenação da pele e que, se não forem acompanhadas devidamente, podem conduzir à amputação dos membros inferiores. "A aterosclerose pode conduzir a tromboses e isso pode acontecer em qual- quer idade. E isto era uma forma de conseguirmos tratar as pessoas precocemente, antes de haver complicações. Parece que regredimos 20 anos!", lamenta Serra Brandão.

A Associação Nacional das Unidades de Diagnóstico diz que muitos exames prescritos já não foram comparticipados e que "o Estado ainda não pagou muitos dos exames já feitos", refere Armando Santos, embora não tenha sido capaz de contabilizar os prejuízos das 200 associadas. "Algumas já tinham deixado de fazer os exames. Fazíamos o possível. Havia bom senso na altura." |

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