"Cala a boca e abraça-me." Maradona conta ao detalhe golo marcado com a mão de Deus

A antiga estrela argentina deu uma entrevista onde relata ao pormenor os golos que marcou à Inglaterra. Recorda episódios caricatos antes de se sagrar campeão do mundo e o momento em que viu o pai chorar...
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Diego Armando Maradona é um personagem inigualável fora do campo, tal como era com as chuteiras calçadas, com uma bola colada ao pé, enfrentando os adversários que lhe surgiam pela frente. A antiga estrela, agora com 59 anos, foi protagonista de uma entrevista ao site da federação argentina (AFA), onde recorda momentos os mágicos que protagonizou no Mundial de 1986, no México.

E nesse torneio o jogo dos quartos-de-final com a Inglaterra é, provavelmente, aquele que melhor define Maradona enquanto futebolista: polémico e genial. Polémico porque assim foi o primeiro golo obtido com a mão e que El Pibe descreve pormenorizadamente nesta entrevista.

"Eu estava à procura de espaço para passar porque os ingleses eram autênticas rochas, sobretudo os defesas. O Sansom cortou a bola e queria jogar para o guarda-redes, mas a bola começa a subir e percebo que nunca chegaria a ela... E dizia para mim, 'baixa por favor'. É então que, ao saltar, tenho a ideia de meter a mão e a cabeça. Quando caí não percebi onde estava a bola, começo a olhar e vejo-a no fundo das redes e começo a gritar 'golo, golo!'. E o parvo do Checho [o médio Sergio Batista] diz-me 'foi com a mão'. Eu respondi-lhe: 'Cala a boca e abraça-me'. É então que vêm todos abraçar-me, até que chegou o Valdano e disse-me: 'não me digas que foi com a mão, tenho de...' e disse-lhe: 'Valdano, tem calma e joga à bola'", conta Maradona

O agora treinador do Gimnasia y Esgrima revela ainda que quando estava a treinar no Dubai encontrou-se com o árbitro desse jogo, o tunisino Ali Bin Nasser, e falaram daquele que é provavelmente o golo mais polémico da história do futebol. "Ele disse-me algo muito sensato: 'eu e os meus assistentes validamos o golo, mas estavam 80 mil pessoas no estádio que também não perceberam que o golo tinha sido com a mão'", revelou.

Quanto ao segundo golo que marcou à Inglaterra, Maradona admite que "foi uma obra que todos os jogadores sonham fazer". "Aquele golo matou o primeiro", garante o antigo capitão da Argentina, que de imediato começa a descrever toda a jogada em que passou por vários ingleses até marcar um dos golos mais bonitos da história dos Campeonatos do Mundo.

"Peguei na bola a meio campo, toquei-a com o pé esquerdo e Peter Reid vinha ao meu lado, mas quando percebo que diz 'uhhh' e não pode mais, digo para mim, 'é agora'. Arranquei, fintei Butcher, que saiu para a esquerda, levantei a cabeça e vi Burruchaga e Valdano que fizeram sinal para não lhes passar a bola porque estavam marcados. Passei Fenwick, que ainda me agarrou a mão, mas eu era um trator, ninguém me podia parar, nem um comboio, enfrento Shilton e toco a bola com os três dedos para a baliza, precisamente no momento em que Butcher cai sobre o meu tornozelo. Em qualquer outra situação tinha-me lesionado, mas vi a bola entrar e quis lá saber do tornozelo. Corri a festejar!", conta Maradona com a emoção de quem revive um momento que marcou a sua vida.

A final com a República Federal Alemã (RFA) foi o cumprir de um sonho. Depois de a Argentina ter estado a vencer por 2-0, deixou-se empatar, mas aos 83 minutos, Maradona, que tinha estado muito marcado ao longo da partida, fez um passe mágico para a Argentina vencer o jogo e ser coroada campeã do mundo pela segunda vez. "Vi o Burruchaga fugir e toquei-lhe a bola para ele marcar o terceiro", lembra.

Não havia camisolas para jogar com Inglaterra

Mas nem tudo foram rosas na caminhada da Argentina para o título mundial de 1986. Maradona conta nesta entrevista alguns episódios caricatos que não eram conhecidos. "Fomos para o Mundial como uma equipa medíocre. Só quando nos juntámos é que percebemos que éramos melhores do que na realidade pensávamos", assume.

A primeira fase do estágio de preparação na cidade colombiana de Barranquilla "foi péssimo" com um calor "terrível". "Estávamos tão mal que disse ao Carlos Bilardo [o selecionador] que não íamos fazer o jogo a Bogotá porque não podíamos com as pernas. Ele não queria acreditar, mas acedeu. Foi aí que o grupo se tornou muito forte", recorda.

Mais caricato foi aquilo que aconteceu na véspera do jogo com a Inglaterra dos quartos-de-final do Mundial de 1986. A Argentina tinha de jogar com o equipamento alternativo que... não existia. "Como era possível estarmos num mundial sem camisola alternativa?", questionou Maradona.

Foi então que o staff correu várias lojas à procura de uma camisola. "Tínhamos de encontrar uma camisola azul, de qualquer tom, para jogar com Inglaterra e foram comprá-las. Quando as trouxeram não traziam o símbolo da AFA, nem números. Vieram umas senhoras que começaram a bordar o símbolo e a por os números com brilhantina... imaginem! O Pasculli [avançado da seleção] avisou que não podia ser, que íamos ficar com brilhantina na cara!", revela.

A Argentina acabou por apresentar-se no Estádio Azteca com uma camisola azul escura, com a qual conquistou o direito de estar nas meias-finais graças à vitória histórica perante Inglaterra, país com o qual os argentinos tinham estado em guerra quatro anos antes por causa da soberania sobre a ilha das Malvinas.

O dia em que viu o pai chorar de alegria

Diego Maradona fez ainda uma viagem às origens e deixou a certeza que quando começou a jogar futebol "sonhava que um dia queria jogar perante uma bancada com público". "Isso para mim já seria maravilhoso. Não pensava em jogar com os melhores", recorda.

"Tive a sorte de chegar à I Divisão primeiro do que os maus companheiros. Aos 15 anos. E aquilo era acima de tudo o que tinha sonhado. Só acreditei quando vi que estava na ficha do jogo. Era o número 16 do Argentinos Juniors, que tinha uma camisola linda", lembrou Maradona, acrescentando que quando entrou na segunda parte do jogo com o Talleres a 20 de outubro de 1976.

"Quando disse aos meus pais que ia para a primeira equipa, o meu pai, que eu via como a pessoa forte mais forte de todos, olhou para cima e começou a chorar, caiam-lhe as lágrimas", revela o antigo futebolista que "gostava de fazer coisas que para os outros pareciam difíceis". "A mim parecia fácil", garante.

Maradona estreou-se na principal seleção argentina com apenas 16 anos, num jogo particular com a Hungria e recorda que quando viu o selecionador César Luis Menotti pela primeira vez "parecia que tinha visto Jesus Cristo". Esse, admite, foi um dos treinadores que mais o marcou, mas também aquele que um ano depois lhe provocou a maior desilusão: "Quando fiquei fora do Mundial de 1978 fui a chorar desde o estágio da seleção até casa, mas a chorar a sério... O Menotti equivocou-se e acabou mais tarde por admitir isso."

Aquele que muitos consideram o melhor futebolista de todos os tempos, deixou ainda uma mensagem aos jovens futebolistas: "Nunca deixem de sonhar, de querer as coisas e de lutar. Eu lutei e aqui estou a desfrutar de um Mundial que nos deu a todos muita felicidade."

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