Máquinas de manutenção da ferrovia paradas um mês após acidente de Soure
Há um mês que nenhuma máquina de manutenção circula na rede ferroviária nacional. A IP - Infraestruturas de Portugal mandou encostar este material a 31 de julho depois de um destes veículos (conhecido como dresina) ter sido abalroado por um Alfa Pendular em Soure a 190 km/h. O acidente provocou a morte dos dois funcionários da IP que conduziam o veículo de manutenção e provocou mais oito feridos do que o indicado inicialmente.
A gestora da ferrovia está à espera da retirada da proibição da circulação de um total de 50 máquinas de via, imposta a 3 de agosto. Enquanto as dresinas não tiverem um sistema de proteção automática de velocidade - como têm todos os comboios de passageiros e de mercadorias - a IP terá de implementar mais medidas de segurança, no entender do IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, enquanto Autoridade Nacional de Segurança Ferroviária.
Logo nesse dia, a IP apresentou uma proposta de alteração ao regulamento de circulação de máquinas de via nas linhas com sistema de controlo de velocidade, como o Convel. A gestora de infraestruturas quer introduzir, no imediato, um mecanismo de redundância para estes veículos: além do sinal verde, apenas poderem entrar na linha de comboio e avançarem para a estação seguinte após uma "nova autorização por parte do centro de comando operacional", como acontece nas linhas sem o sistema de controlo de velocidade.
Esta medida não tem custos acrescentados para a empresa pública, dá mais segurança aos seus trabalhadores e poderia ter sido implementada bem antes do acidente de Soure. Em 2018, os peritos do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) alertaram que o risco de ultrapassagem indevida de sinal "é 20 vezes superior" numa máquina da IP do que nos comboios dos operadores ferroviários portugueses. O sinal vermelho tinha sido ultrapassado 15 vezes entre 2010 e 2017.
A gestora de infraestruturas conta, "em breve", retomar a atividade das máquinas de via, assim que obtiver autorização do IMT, aponta fonte oficial da empresa ao DN/Dinheiro Vivo. A IP também "está a ultimar" o processo de compra do sistema de segurança para os seus veículos.
Inicialmente, este acidente tinha provocado 43 feridos. Só que há mais oito ocupantes que ficaram afetados física e/ou psicologicamente, adianta fonte oficial da CP, com base em informação da sua unidade de serviços de saúde. Houve mesmo situações em que foram os ocupantes a contactar a transportadora depois do acidente, porque não tinham sido disponibilizados quaisquer dados - essa indicação não é obrigatória na compra de um bilhete de comboio.
A CP, para já, arca com todas as consequências de um dos maiores acidentes ferroviários dos últimos anos em Portugal. "Independentemente de a responsabilidade ser sua ou de terceiros", a transportadora acionou o seguro de responsabilidade civil e está a indemnizar os passageiros lesados.
Só que são os passageiros lesados que têm de contactar a empresa para receber uma indemnização de despesas e bens pessoais. Foram acionados, para já, cerca de três dezenas de processos relacionados com este acidente. A empresa recomenda que os clientes afetados "contactem a empresa, apresentem a sua situação e a indemnização pretendida. Esta solicitação é alvo de análise e resposta pelo gabinete jurídico da CP".
A CP devolveu os bilhetes a pelo menos 443 passageiros que ficaram sem viagem por causa do corte de quase dois dias da Linha do Norte após o acidente. Embora ainda haja cerca de cem processos pendentes, a empresa recomenda que sejam os clientes a pedir o reembolso.
O acidente de Soure deixou inutilizada uma das dez unidades da frota do Alfa Pendular. "Os danos sofridos são significativos" mas a empresa ferroviária acalenta a esperança numa "complexa reparação". Só depois da conclusão da investigação do acidente será possível "determinar responsabilidades e consequente imputação de custos". O valor estimado dos danos é de 150 mil a dois milhões de euros.
Os peritos do GPIAAF têm contactado os ocupantes do comboio mas ainda não há previsão sobre a divulgação do relatório final. Os dados preliminares indicam que a máquina da IP ultrapassou inadvertidamente um sinal vermelho junto à estação de Soure. Só que, "uma fração de segundo antes", o Alfa Pendular "tinha acabado de ultrapassar" o sinal verde. Os maquinistas da CP só tiveram tempo para acionar a travagem de emergência mas o choque a 190 km/h foi inevitável.
Diogo Ferreira Nunes é jornalista do Dinheiro Vivo