Máquina de Sorrisos
O relacionamento interpessoal não precisa de obedecer a uma cartilha de sorrisos. Não temos de andar todos, como se estivéssemos a ser televisionados para anúncio, com sorriso Pepsodent. Não temos.
Outra coisa será fazer uma gestão cuidada do self de modo a procurarmos os nossos melhores momentos e expressões. Necessitamos, pois, de dar espaço e oportunidade ao trabalho de autoconhecimento - fundamental - para, então e posteriormente, podermos conhecer melhor os outros e usarmos da empatia para esse mesmo conhecimento e para nos facilitar relacionamentos.
Dito isto, não precisamos de andar permanentemente e rir.
Ninguém é muito credível, de resto, quando passa a vida a rir.
Ninguém é mais empático por passar a vida a rir.
Podes, inclusive, tornar-te mais tolo ou até passares por desmiolado. Muitas vezes por cínico.
Vendem-nos uma cartilha de positividade - de resto ela anda pelas redes sociais - que nem sempre se adequa ao que sentimos e ao que queremos expressar. Há dramatismo e tristeza em nós. Há espanto. Há estranheza. Há consternação. Há abstração. Raramente estes momentos serão apropriados a um sorriso.
Ao contrário, há momentos de relacionamento, de conexão, de procura do outro e dos outros. Há momentos de divertimento, de partilha com terceiros, de leveza e de sorrisos e risos. Há momentos. E há momentos em que o nosso sorriso ou o nosso riso são fundamentais. Há, inclusive, pessoas que ao sorrirem tiram partido de um ativo fundamental no relacionamento com outros: acolhem, expressam vivacidade, empatia e proximidade.
Aqui chegados é bom não tirarmos conclusões precipitadas.
Primeiro porque o sorriso não é garante de uma capacidade relacional superior. É ativo para uns. Para outros é puro veneno. É plástico. Entre sorrisos de plástico e nada, mais vale nada.
Segundo porque o sorriso vem usualmente integrado na cartilha do copo meio cheio. Na cartilha da vida fácil e cor-de-rosa. Na cartilha fluffy do não posso sofrer e só posso vencer. Para isso, dizem-te, sorri muito, ri-te muito, expressa os teus sentimentos de forma muito energicamente apurada, estudada, assética até. Para conseguires um grau de perfeição tens pois de o conseguir a rir muito. Nada de mais errado. Até porque se isso é próprio de uns não é próprio de todos. Esquece os sorrisos postiços e a necessidade de pareceres melhor aos outros se o sorriso não for natural em ti. Bom que pareças melhor com um sorriso genuíno, esse sim, do que quereres parecer melhor com um sorriso postiço.
Terceiro porque o excesso de sorriso não significa que estás bem contigo mesmo e com os outros. Podes fingir muito, teatralizar outro tanto, procurar criar empatia por via de um sorriso artificial. Mas se o sorriso for um ativo traiçoeiro então não o uses com a frequência que algumas pessoas o podem, diria até, devem usar. E sobretudo procura a tua marca pessoal. E a tua marca pessoal não tem de ser a rir ou a sorrir. Pode, tão simplesmente, ser a tua marca pessoal, séria, concentrada, perscrutante, atenta, se essa(s) constituir(em) a tua distintividade.
Uma coisa é certa. O segredo, como em tudo na vida, é encontrares o teu estado mais interessante. O teu estado e a fisiologia mais próprias ao que te faz sentir bem e que aos outros proporcione bem-estar quando estão contigo. Esquecendo as cartilhas da toxicidade positiva e dos sorrisos como se de máquinas nos tratássemos.
Finalmente, esconde o sorriso quando souberes, ou se souberes, que ele é claramente idiota. Não és e não deves ser uma máquina de sorrisos só porque sim.