Manual ajuda judeus a recuperar arte pilhada
Quando foi a leilão em Nova Iorque, no passado mês de Junho, Adele Bloch-Bauer I atingiu o valor mais alto alguma vez pago, até então, por um quadro: 135 milhões de dólares. A obra do pintor austríaco Gustav Klimt foi uma das centenas de quadros que nos últimos meses entraram no mercado após terem sido recuperados por familiares de judeus a quem foram apreendidos pelos nazis durante a II Guerra Mundial. Mas o percurso para a restituição pode ser complicado. De tal forma que foi agora publicado um manual destinado a ajudar os herdeiros a reaverem os seus bens.
Em Portugal, a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) não tem conhecimento de qualquer tentativa de recuperação. Mas divulgou no seu site o contacto da Comissão para a Arte Apreendida, que ajuda pessoas em todo o mundo a recuperar os bens. "Provavelmente passaram por Portugal pessoas a quem os nazis apreenderam quadros", disse ao DN Esther Mucznik. Mas a vice-presidente da CIL explicou que "ou já não se encontram no país ou contactaram directamente os responsáveis por estes casos".
Durante a II Guerra Mundial, Portugal recebeu centenas de milhares de judeus que fugiam às perseguições nazis. Muitos deles com vistos passados pelo cônsul em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, em desobediência às ordens de Salazar.
O facto de serem sobretudo famílias judias a exigir a restituição não é de surpreender. Antes da II Guerra Mundial, grande parte dos comerciantes de arte eram judeus. Após a chegada dos nazis ao poder, viram-se por vezes forçados a vender obras a preços abaixo do valor para pagar a fuga. Outros casos prendem-se com magnatas judeus enviados para os campos de concentração e espoliados. Terminada a guerra, muitas obras apreendidas foram nacionalizadas e expostas em museus.
Vendas milionárias
Um dos casos apresentados por Gunnar Schnabel e Monika Tatzkow no livro Nazi Looted Art(Arte Pilhada pelos Nazis) é o de Leo Blendel. Pequeno comerciante de Berlim, em 1937 viu-se forçado a vender a obra-prima de Carl Spitzweg Fiat Justitia por um preço irrisório para pagar a fuga da família para a Áustria. Setenta anos depois, os seus herdeiros ainda não foram compensados pela sua perda. "Este livro dá às vítimas a possibilidade de tomarem medidas legais sem recorrer a um advogado", explicou Gunnar ao Der Spiegel.
Mas alguns tiveram mais sorte do que os herdeiros de Blendel. Após anos de batalha judicial, Maria Alt-mann recuperou cinco quadros de Klimt que pertenceram ao seu tio Ferdinand Bloch-Bauer. O magnata checo do açúcar tinha uma pequena colecção de quadros do pintor austríaco, incluindo dois retratos da sua mulher Adele. Em Junho de 2006, o Adele Bloch-Bauer I bateu recordes. Expostos durante décadas no Belvedere, em Viena, os quadros encontram-se agora na Neue Galerie, em Nova Iorque.
O preço que os quadros atingem tem gerado polémica, com os directores de museus a acusarem os herdeiros de estarem mais interessados nos milhões do que na arte. Um caso paradigmático é o de Anita Halpin.
Há seis anos, a líder do Partido Comunista britânico não mostrava qualquer interesse nos quadros apreendidos ao avô, o fabricante de sapatos alemão Alfred Hess. Entretanto, repre- sentada pelo advogado especializado em restituições David J. Rowland, Halpin preencheu formulários para recuperar as obras da colecção Hess. Em Novembro de 2006, recebeu 20,5 milhões de libras (31 milhões de euros) pela venda do quadro do expressionista alemão Ernst Ludwig Kirchner Cena de Rua em Berlim.
Após décadas de silêncio, em 1998 os 44 países presentes na Conferência de Washington acordaram em introduzir legislação que visa devolver aos donos obras apreendidas pelos nazis ou vendidas pelos proprietários abaixo do valor. A lei gerou uma corrida por parte dos herdeiros. Só na Alemanha, 50 peças podem, em breve, acabar em colecções privadas, deixando lugares vazios nas paredes dos museus.