Mandela visto por portugueses que o conheceram
"Obrigado Madiba pelo teu legado e pelo exemplo que nos deixaste. Estaremos sempre contigo", escreveu Cristiano Ronaldo na sua página de Facebook a 5 de dezembro de 2013, assim que soube da morte de Nelson Mandela, herói da luta contra o Apartheid na África do Sul, aos 95 anos.
O então jogador do Real Madrid, agora da Juventus, tinha sido recebido por Mandela na sua casa em Joanesburgo, na África do Sul, por ocasião do Mundial de Futebol de 2010.
Foi no dia 9 de junho desse ano e, além de Ronaldo, Madiba recebeu também o então selecionador português de futebol, Carlos Queiroz e o diretor desportivo da Federação Portuguesa de Futebol, Carlos Godinho. Ofereceram-lhe uma camisola estampada com o número 91. Era essa a idade que o histórico líder sul-africano tinha na altura
Nem toda a gente sabe, mas Nelson Mandela era sócio do Sporting. Quando esteve com ele em Pretória, em 1997, José Roquette, então presidente do clube, entregou-lhe o cartão de sócio de mérito com o número 31118.
Aquando da morte de Mandela, a 5 de dezembro de 2013 o Sporting colocou a bandeira a meia haste. Na altura, o clube emitiu um comunicado sobre o ex-líder sul-africano, que sempre reconheceu o poder que o desporto tem em influenciar massas.
"Nelson Mandela foi um eterno exemplo de esforço, dedicação, devoção e glória. O Sporting Clube de Portugal apresenta à família de Nelson Mandela e a todo o povo sul-africano as suas condolências e manifesta o seu profundo pesar. Nelson Mandela é uma das figuras da humanidade que permanecerá entre nós para todo o sempre".
Quando Nelson Mandela morreu, Cavaco Silva, então presidente de Portugal enviou uma mensagem sentida de condolências a homenagear o ex-líder sul-africano. Mas houve de imediato vozes, como a da eurodeputada Ana Gomes, a lembrar que Portugal votou na ONU contra Mandela.
"Lembro-me de um episódio em 1989, quando tínhamos uma resolução sobre as crianças vítimas do Apartheid apresentada pelo grupo africano. Vergonhosamente, tivemos instruções para votar com os EUA e a Grã-Bretanha, numa posição contrária a essa resolução", disse à TVI24, a deputada socialista, na altura, acrescentando que "havia muita gente em Portugal que achava que os nossos interesses estavam do lado do Apartheid". O primeiro-ministro era então Cavaco Silva.
Cavaco responderia, dias depois, em Viseu, questionado pelos jornalistas à margem da inauguração de uma exposição promovida pelo Museu da Presidência. "O que o nosso embaixador seguiu foi aquilo que era a prática portuguesa, que era recusar a luta armada, tendo presentes os 400 mil portugueses que estavam na África do Sul, a guerra civil em Angola, a guerra civil em Moçambique e o que seria incendiar de guerras toda a África Austral", disse, criticando aqueles que "falam de cátedra, mas nunca conheceram Nelson Mandela e nunca mexeram uma palha para tentar mudar a situação na África do Sul".
O ex-chefe do Estado português lembrou, na altura, que chegou a escrever, em 1987, a Pieter Botha, então presidente da África do Sul, a pedir a libertação de Nelson Mandela. E que este até reagiu muito mal, lembrou nessa declaração aos jornalistas, em Viseu.
Na sua Autobiografia Política, Aníbal Cavaco Silva, que na qualidade de primeiro-ministro recebeu Mandela em 1993, recorda a posição portuguesa defendida, na década de 1980, na Comunidade Europeia: "desmantelamento do sistema do apartheid por meios pacíficos, devendo as autoridades de Pretória abrir o diálogo com os representantes da comunidade negra, e não apoio à imposição de sanções económicas". Portugal "era cauteloso": rejeitava a violência como método para a resolução do conflito e procurava "salvaguardar os interesses da numerosa comunidade portuguesa que vivia nesse país".
No Conselho Europeu de Haia, de junho de 1986, as "imposições económicas" caíram e, "depois de um debate vivo", foi aprovada uma "posição comum" apelando a libertação "incondicional" de Nelson Mandela e outros presos políticos "e ao início imediato do diálogo com os verdadeiros dirigentes da população negra".
O homem que durante 37 anos foi presidente do governo regional da Madeira esteve com Nelson Mandela três vezes. Uma das quais ainda nem ele era presidente da África do Sul. Afinal, a grande parte dos imigrantes que vivem na África do Sul são de origem madeirense. Na altura da morte do ex-presidente sul-africano, Alberto João Jardim lembrou alguns desses momentos. E como Mandela lhe pediu para os portugueses não se irem embora do país, pois eram fundamentais "no domínio do comércio, abastecimento e transportes".
"O mundo perdeu uma das suas personalidades mais fascinantes, um homem que sofreu, que teve 20 anos de prisão que foi perseguido e não teve qualquer sentimento de vingança. Pelo contrário, era um homem profundamente humano, com uma mensagem de paz e perdão para todos", declarou Alberto João Jardim sobre Mandela, em dezembro de 2013.
Madeirense também, Joe Berardo emigrou para a África do Sul, onde iniciou os seus negócios. Fez fortuna na década de 1980. O empresário, dono da Quinta da Bacalhoa e reconhecido colecionador de arte, conheceu Mandela e, meses antes da sua morte, tinha organizado em Portugal uma homenagem ao Nobel da Paz. A exposição Out of Africa foi uma das componentes dessa homenagem.
Descrevendo-o como "uma pessoa humilde, que falava com toda a gente", na altura da morte de Mandela afirmou: "Acho que vai fazer muita falta, porque é um exemplo para a humanidade e poderia ser considerado um líder não só político, mas também espiritual".
Para o empresário, "o maior dom de Mandela era ser um símbolo de tolerância, porque tinha todas as razões para se tornar uma pessoa vingativa, mas deu o exemplo e vai ficar para o resto da vida como um sol".