Malala regressa mas nem todos gostam da Nobel da Paz no Paquistão

Não conteve as lágrimas ao pisar de novo, pela primeira vez desde 2012, solo paquistanês. Foi recebida pelo primeiro-ministro e por audiências entusiasmadas. Mas há quem pense que Malala está ao serviço do estrangeiro.
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A primeira intervenção de Malala Yousafzai nesta quinta-feira foi perante um auditório sobrelotado em Islamabad, onde não conteve as lágrimas, por mais de uma vez. Foi recebida pelo primeiro-ministro Shahid Khaqan Abbasi, que a elogiou profusamente e garantiu que a segurança da Nobel da Paz de 2014 é da responsabilidade do governo e ela pode ficar no Paquistão.

Mas as palavras do governante paquistanês não fazem esquecer que Malala foi atacada por talibãs paquistaneses a 9 de outubro de 2012, que a deixou entre a vida e a morte. Os islamitas justificaram o ataque por a jovem, então com 13 anos, ser "anti-talibã, a favor da paz e ter uma agenda secular". E que, mesmo hoje, um segmento da sociedade paquistanesa considera que as ações da jovem transmitem uma imagem negativa do Paquistão no estrangeiro, ao ponto de haver canais no YouTube que se reivindicam de "Malala haters" (os que odeiam Malala). Também no Facebook existem páginas com esta designação.

Malala, que se tornou conhecida desde 2009 por publicar textos no serviço em urdu da BBC, a denunciar a violência talibã na região onde vivia, o vale de Swat, após 2012 intensificou as iniciativas a favor da educação do sexo feminino no Paquistão e com a verba do Prémio Nobel criou um fundo para a promoção da escolaridade no seu país. Hoje, tornou-se uma referência na luta das mulheres nas sociedades contemporâneas. Além do Nobel, recebeu ainda o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu e outras distinções internacionais, como ter sido nomeada Mensageira da Paz das Nações Unidas em 2017. O que não impede que seja vista como uma agente ao serviço dos interesses, por exemplo, dos Estados Unidos, uma agitadora anti-muçulmana e anti-patriota.

Uma das razões do antagonismo que Malala gera no Paquistão é que, pela sua atuação, "ela assume uma atitude de desafio e contestação que não é bem vista, especialmente se for protagonizada por uma mulher", explicou à DW a cineasta Sabin Agha. Mesmo nos meios da classe média, especialmente nos setores muçulmanos mais conservadores. Aliado ao facto de ser mulher, o facto de ser bastante jovem, é outro elemento que reforça a reprovação.

O facto de se vestir de à ocidental em muitas ocasiões quando se encontra em países ocidentais, tem sido outra fonte de críticas. O que Malala evitou nesta quinta-feira, surgindo a público envergando o o traje tradicional do Paquistão, o salwar kameez, e um lenço longo, a dupatta, associado à modéstia na Ásia do Sul.

Mas muitas críticas surgem de setores eles próprios alvo da violência islamita, que consideram ser Malala uma privilegiada face a tantos milhares de outras pessoas, homens, mulheres, jovens, que não tiveram apoios para deixar o Paquistão. Em 2017, quando um colaborador da Foreign Policy, Michael Kugelman, criticou no Twitter os comentários contra a jovem, foi alvo de uma barragem de palavras duras, chegando-se ao ponto de se afirmar que o ataque fora "uma encenação", com muitos a perguntarem-se o que a ativista tinha feito pelo país, por que é que o Ocidente aprecia tanto Malala e por que é que ela não volta para viver no Paquistão. Outros comentários incidiam sobre o facto de muitas crianças e adolescentes viverem no dia-a-dia, e sem alternativa, situações tão graves ou piores do que aquelas que Malala denunciou nos seus textos.

Malala é também criticada, numa soceidade onde é bastante forte o sentimento anti-americano, por aquilo que é visto como um alinhamento incondicional com os Estados Unidos e com o Ocidente em geral. "Ela é um instrumento da campanha internacional para desacreditar o Paquistão", afirmou o presidente de uma poderosa associação de mais de 200 mil escolas privadas no país, Kashif Mirza, citado pela AFP-

Uma expressão clara desse descontentamento foi a publicação, em novembro de 2014, de um livro intitulado Eu Não Sou Malala, que pretendia ser uma resposta ao seu Eu Sou Malala. Intervenções de muitos dirigentes religiosos nas televisões nacionais reflectem o mesmo nível de críticas à ativista.

O facto de Malala reivindicar como modelo e inspiração a falecida primeira-ministra Benazir Bhutto, assassinada em dezembro de 2007 pelo mesmo grupo que atentou contra Malala, o Tehrik-i-Taliban, é também factor de irritação em muitos sectores da sociedade paquistanesa, que olham para a família Bhutto como um dos exemplos clássicos dos privilegiados no país. O ter conseguido entrar na Universidade de Oxford, como Benazir, e no mesmo curso é outro aspecto que provoca ressentimento no Paquistão, mesmo na classe média, que vê a frequência de estabelecimentos de ensino como este um exclusivo de um reduzido grupo.

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