"Mais mobilização para se evitar maior retrocesso civilizacional" no Irão
Um dos primeiros signatários de uma carta aberta dirigida há um mês ao presidente dos EUA, ao presidente do Conselho Europeu e aos primeiros-ministros do Reino Unido e do Canadá para que estes ajam no sentido de impedir a onda de execuções no Irão, o advogado e professor universitário José Luís da Cruz Vilaça lamenta a pouca repercussão que esta teve, em especial em Portugal. "O tema não está a ter o tratamento devido por parte da comunicação social em Portugal." E em termos mais gerais, crê que "é necessária mais mobilização para se evitar maior retrocesso civilizacional, como, aliás, estamos a assistir também no Afeganistão".
Em Bruxelas, o Parlamento Europeu respondeu em parte aos pedidos da carta aberta, ao exigir que os Guardas da Revolução sejam sancionados, mas essa decisão não deve ser tomada na reunião de segunda-feira, na qual mais indivíduos e organizações vão ser atingidos pelas sanções.
Em reação à onda repressiva do regime iraniano, há precisamente um mês 238 personalidades internacionais, entre as quais 16 laureados com o Prémio Nobel, dirigiram uma carta ao presidente norte-americano Joe Biden, ao presidente do Conselho Europeu Charles Michel, ao primeiro-ministro britânico Rishi Sunak e ao chefe do governo canadiano Justin Trudeau, com conhecimento para o alto comissário para os Direitos Humanos, Volker Türk.
Na missiva, os signatários dizem ser "imperativo que as principais nações democráticas do mundo atuem urgentemente para impedir as autoridades iranianas nas suas tentativas de reprimir os protestos em curso através do recurso à pena de morte, em violação do direito internacional", enquanto aplaudem os "corajosos jovens iranianos" que continuam os protestos "para pôr fim a décadas de tirania".
Citaçãocitacao"O resultado [dos protestos] está à vista: centenas de execuções precedidas de julgamentos simulados de manifestantes cujo único crime é manifestarem opinião diferente da da classe governante." Cruz Vilaça
Em concreto, os autores da iniciativa querem "responsabilizar a liderança da República Islâmica do Irão pela prática de crimes contra a humanidade, por atos que incluem o assassínio de crianças e o enforcamento público de manifestantes, e a utilizar todos os meios internacionalmente disponíveis para os levar perante a justiça", o que inclui a criação de um "mecanismo conjunto para identificar e impor rapidamente sanções conjuntas contra os responsáveis e os perpetradores da repressão em curso contra os manifestantes".
A morte da jovem curda Mahsa Amini quando se encontrava sob custódia policial por não ter o véu islâmico, em setembro último, desencadeou um sismo social e político que tem abalado as fundações do regime teocrático e autoritário.
Na carta - cujos primeiros signatários são o alemão Joachim Rücker, ex-presidente do Conselho dos Direitos Humanos da ONU; o sul-coreano Sang-Hyun Song, ex-presidente do Tribunal Penal Internacional; a bielorrussa Oleksandra Matviichuk, Prémio Nobel da Paz; Cruz Vilaça, ex-juiz do Tribunal de Justiça da UE; e a neozelandesa Helen Clark, antiga primeira-ministra - afirma-se que a resposta das autoridades conta-se em pelo menos 700 mortes, incluindo dezenas de menores, e 30 mil detidos, "com dezenas de pessoas a serem condenadas à morte por moharebeh (guerra contra Deus) em julgamentos fraudulentos e sumários, sem direito a um processo justo".
Outras organizações apresentam estimativas mais baixas (por exemplo, a Iran Human Rights aponta para 481 mortes, embora declare que o número será maior, e alerta para o facto de 109 prisioneiros estarem sob risco de execução).
As personalidades pedem ainda para que o nível das relações diplomáticas dos países com Teerão seja rebaixado com a retirada de embaixadores e a expulsão de representantes "do que é, de facto, um governo assassino", bem como a imposição de sanções económicas mais direcionadas para "cortar os fundos ao mecanismo de repressão do Estado e, em particular, a colocar na lista negra o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica e as suas entidades afiliadas que estão a liderar a repressão".
Sobre os Guardas da Revolução, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE vão impor novas sanções a 37 funcionários e organizações iranianas por causa da repressão aos protestos, mas ainda estão a debater a inclusão da poderosa organização na lista dos grupos terroristas. O Parlamento Europeu aprovou em Estrasburgo uma resolução nesse sentido, o que levou o regime iraniano a advertir a UE para ter "cuidado com as consequências" de tal medida.
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