Mais e melhor pelo tratamento oncológico em Portugal

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Um relatório publicado recentemente pelo Instituto Sueco para a Economia da Saúde trouxe pela primeira vez boas notícias no que se refere ao tratamento oncológico: cada vez mais pessoas estão a sobreviver à doença oncológica.

O relatório "Comparação de Acesso dos Pacientes aos Medicamentos para o Cancro na Europa" demonstra que nem tudo está mal. E que apesar de haver muito trabalho pela frente, muito já foi feito para garantir que todos os doentes que precisam de tratamento o recebem, de forma adequada ao seu caso específico e atempadamente.

Este é um relatório de dicotomias: a incidência do cancro continua a aumentar de forma transversal na Europa - 30% entre 1995 e 2012 - mas o mesmo acontece com a percentagem de doentes que vivem cinco anos depois do diagnóstico, agora 54% dos casos. E apesar de termos mais casos de doença oncológica, não existe ainda sinal de um aumento dramático na despesa.

A culpa é da mudança gradual de paradigma dos tratamentos clássicos com quimioterapia para terapêuticas direcionadas, com mecanismos de ação cada vez mais específicos. Um facto que, aliado à melhoria nos métodos de diagnóstico precoce, tem permitido uma melhoria das taxas de sobrevivência em muitos tumores. E se o total da despesa em medicamentos duplicou entre 2005 e 2014, tal não será certamente associado ao custo da inovação: os lançados nos últimos três anos contam apenas para 8% do custo total com medicamentos para o tratamento do cancro.

No que respeita a Portugal, o relatório sugere que a média de crescimento anual da despesa em saúde foi substancialmente menor do que a da média europeia, entre o período de 2005 a 2014. Se o total gasto em saúde representou em 2014 9,7% do PIB (um valor próximo da média europeia de 10,1%), somente 3,9% do total gasto em saúde é que se refere ao tratamento do cancro, enquanto na média europeia este valor é de 6%.

Sejamos realistas: a inovação é cara. Mas permite que o tratamento do cancro seja não só cada vez mais efetivo como também mais direcionado, permitindo reduzir efeitos adversos e consequências a longo prazo, melhorando assim a sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes. Por outro lado, permite que mantenham um estilo de vida ativo, o que significa incrementos fundamentais de produtividade.

O documento demonstra por parte das autoridades um claro reconhecimento desta realidade. Durante todo o período do estudo, as áreas terapêuticas com maior número de aprovações pela Agência Europeia do Medicamento (EMA, sigla em inglês) foram a leucemia e o cancro da mama, seguidas pelo cancro do pulmão e mieloma múltiplo. De notar que 5% dos medicamentos oncológicos tiveram aprovação acelerada pela EMA, o que sugere a necessidade clínica que existe para a sua introdução no mercado. Em Portugal, o acesso a estes medicamentos está num nível intermédio relativamente aos outros países da Europa, o que não deixa de ser positivo.

Outra dicotomia com efeitos positivos: do top 5 dos fármacos mais utilizados em 2014, três deles perderam ou irão perder brevemente a exclusividade, o que deverá dar lugar à entrada de genéricos/biossimiliares. Um fator crucial na possibilidade de gerar uma margem de poupança que vai permitir apostar em tratamentos inovadores, assegurando-se desta forma a sustentabilidade financeira do serviço nacional de saúde, sem comprometer a qualidade dos tratamentos prestados aos doentes.

É preciso olhar para o documento de forma desapaixonada. Globalmente, as diferenças de acesso observadas entre países com situações económicas semelhantes indicam que existe uma oportunidade de melhoria nas respetivas políticas. Aqui, o nosso país não é exceção.

Acresce assim a necessidade de repensar modelos de financiamento sustentáveis que permitam que todos os pacientes tenham acesso ao melhor tratamento e que os serviços estejam organizados de forma a assegurar um atendimento eficiente e efetivo a todos os doentes. A evolução nesse sentido deve abranger um envolvimento conjunto de todos, incluindo decisores políticos, profissionais de saúde e a indústria farmacêutica.

Todos devemos trabalhar em conjunto para conseguir fazer mais e melhor para o tratamento do cancro em Portugal.

Médica oncologista

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