Mais dinheiro ou melhor gestão? Portugal "não tem sabido aproveitar oportunidades"

Num sistema tendencialmente gratuito como o SNS, cerca de 30% das despesas continuam a sair do bolso das famílias. O financiamento mantém-se um dos temas mais polémicos, mas, na opinião de alguns ex-ministros do setor, mais do que injetar dinheiro no sistema, é preciso gerir melhor e avaliar mais.
Publicado a
Atualizado a

Não é preciso que haja mais dinheiro para a saúde, é preciso que esse dinheiro seja entregue a tempo", defende António Correia de Campos. Para o ex-ministro da Saúde (2001-2002 e 2005-2008), este é, e tem sido, o grande problema da gestão do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A grande dificuldade, aponta, é que as verbas atribuídas não chegam de uma só vez, dando lugar a reforços orçamentais ou retificativos, feitos posteriormente, o que impede uma gestão eficaz. "O financiamento da saúde desconfia dos gestores, acha que os gestores não são capazes. Isto é o mal de todos os ministérios das Finanças, não só em Portugal, e não precisa de ser assim".

Numa perspetiva ligeiramente diferente, Fernando Leal da Costa defende também que o dinheiro não é o principal problema do SNS. É verdade, admite, que falta investimento e que qualquer reforço orçamental é bem-vindo, "mas não é apenas uma questão de investimento na perspetiva de injetar ainda mais dinheiro no Serviço Nacional de Saúde".

Trata-se, no fundo, de aplicar melhor, gerir melhor os desafios e as prioridades. O ex-ministro da Saúde (2015) dá como exemplo a falta de melhorias nas estruturas assistenciais, muito envelhecidas, ou o sistema remuneratório dos profissionais do setor. "Neste momento, a par da perda de capacidade e de qualidade estrutural ao nível do edificado, estamos também a ser assoberbados por um aumento de procura para o qual não temos os meios humanos necessários para dar resposta".

Depois do período mais conturbado da pandemia, o anúncio de apoios financeiros através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prometia financiamentos para a reforma dos cuidados de saúde primários, da saúde mental e para a conclusão da reforma do modelo de governação dos hospitais públicos. Um total de 1400 milhões menos focados na saúde e mais nas reformas do SNS que, na opinião de Fernando Leal da Costa, "é uma desilusão muito grande". O diretor de hematologia do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa aponta que o PRR "está mal desenhado, mal pensado, a maior parte dos investimentos previstos não estão devidamente justificados, claramente se percebe que foi feito à pressa, apenas para justificar alguma razão de ser do dinheiro que nos iriam dar".

Muito crítico, Leal da Costa acrescenta que o PRR é um exemplo daquilo em que Portugal se tornou particularmente eficaz, que é não saber aproveitar oportunidades. "É aquilo em que temos, de facto, sido excelentes, que é em perder oportunidades". Na sua opinião, não há garantia de que os fundos tenham continuidade. Acima de tudo, diz, "porque grande parte do que ali está não acrescenta valor, apenas acrescenta despesa".

dnot@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt