Mais de 30 mil pessoas ouvidas em 20 anos da linha de apoio à vítima de violência
32 822 cidadãos, maioritariamente das áreas da grande Lisboa e do Porto, usaram o Serviço de Informação às Vítimas de Violência Domestica durante os últimos 20 anos para pedir informações sobre o enquadramento judicial do crime de violência doméstica ou para partilharem "um sentimento de injustiça pela perceção da impunidade de quem agride". A linda da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), que comemora esta segunda-feira duas décadas, é gratuita e está disponível durante as 24 horas dos sete dias da semana.
O objetivo do número 800 202 148 é prestar informações "sobre os direitos e procedimentos legais que devem ser postos em marcha" em casos de "violência sexual, perseguição, casamento forçado, mutilação genital feminina, aborto e esterilização forçados, assédio sexual ou outros crimes contra as mulheres cometidos em nome de uma pretensa honra", explica Teresa Fragoso, presidente da CIG por escrito ao DN.
As chamadas são confidenciais, o que "potencia um clima de confiança e segurança que permite aos/às utentes sentirem-se mais disponíveis para, abertamente, falarem sobre o motivo do seu telefonema", esclarecem Teresa Fragoso. " O facto de não haver "rostos", mas somente vozes, pode incentivar a falar pela primeira vez da situação de maus tratos vivenciada e para a formulação de um pedido de ajuda".
A linha recebeu no total mais de 59 mil chamadas durante estes 20 anos. Destas, 32 822 eram casos de violência doméstica, as restantes tratavam de situações relacionadas com outros tipos de violência. Só em 2018, até ao dia 5 de novembro, já foram recebidos 297 telefonemas, 63 dos quais diretamente relacionados com situações de violência doméstica. Já em 2017, foram atendidos 490 telefonemas, 103 deles sobre agressões domésticas.
A diminuição acentuada do número de chamadas recebidas ao longo dos anos deve-se à multiplicação do número de respostas. Se em 1998, a linha era a única a prestar este tipo de serviço, atualmente existem 133 estruturas de atendimento, 39 casas de abrigo e 26 acolhimentos de emergência espalhadas pelo país prontas a dar apoio às vítimas de violência doméstica, segundo o relatório da Prevenção e Combate à Violência Contra as Mulheres e à Violência Doméstica. Na perspetiva da responsável pela CIG, a linha continua a ser importante, mas já não é o primeiro mecanismo para pedir ajuda, uma vez que há respostas mais próximas e presenciais.
"Ao longo destes 20 anos de funcionamento foram milhares as pessoas com quem se falou e pode-se, com toda a certeza e convicção, afirmar que o primeiro contacto com este serviço terá feito a diferença na vida de muitas dessas vítimas. Perceberam que não estão sozinhas, foram informadas de que há mecanismos de proteção e instituições disponíveis para as ajudar neste processo", diz a presidente da CIG.
A CIG afirma que são essencialmente as próprias vítimas quem liga para o Serviço de Informação. No entanto, como a violência doméstica é considerada um crime público, e por isso pode ser denunciada por terceiros, a linha recebe muitos telefonemas de familiares, amigos, vizinhos e forças de segurança.
Quem telefona quer saber mais sobre os limites legais da violência doméstica, como é que se deve atuar e junto de quem. Querem ainda partilhar " um sentimento de injustiça pela perceção da impunidade de quem agride", conta Teresa Fragoso. A maioria dos telefonemas que atendem são proveniente das regiões da Estremadura (principalmente da Grande Lisboa) e do Douro Litoral (principalmente do Grande Porto).
As chamadas são atendidas num Call Center, partilhado com a Linha Nacional de Emergência Nacional, e passam primeiro por uma triagem que separa o trigo do joio - as questões sobre violência doméstica das não relacionadas. De segunda a sexta-feira, entre as 9 e as 17:30, 11 técnicos da CIG ligados essencialmente às áreas de Direito, Psicologia e Serviço Social atendem as chamadas pré selecionadas. Nos restantes horários, uma vez que o serviço está disponível durante as 24 horas do dia, são os membros da Linha Nacional de Emergência Nacional que respondem.
Este serviço não contempla apoio presencial, no entanto, quando se justifica as vítimas são reencaminhadas para uma instituição da Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica de forma a dar continuidade ao processo.
A 12 de novembro de 1998, quando foi inaugurada chamava-se Serviço de Informação às Mulheres Vítimas de Violência e foi a primeira linha nacional gratuita criada para dar informações e apoio a casos de violência doméstica. Funcionava apenas a dias úteis entre as 9 e as 17:30, horário que foi alterado em maio de 2000.
Foi criada no âmbito do I Plano Global Para a Igualdade de Oportunidades, aprovado no Conselho de Ministros de 6 de março de 1997, que estabelecia a "efetivação de um Serviço de Atendimento Telefónico com vista à prestação de informação sumária sobre as providências adequadas a tomar relativamente às situações que lhe sejam expostas, de forma a prevenir a violência e garantir proteção adequada às mulheres vítimas de crimes de violência".
É considerada violência domestica tudo o que seja infligir maus tratos físicos ou psicológicos (castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais) a cônjuges, a ex-cônjuges ou ao namorado(a). E é um crime punível por lei desde 2007, no âmbito do artigo n.º 152 do Código Penal, que prevê até cinco anos de prisão para o agressor(a), podendo a pena ir para além por acumulação de outra disposição legal. São ainda consideradas a aplicação de " penas acessórias de proibição de contacto com a vítima", de posse de armas, e de "obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica".
Em caso de violência doméstica, para além do aconselhamento prestado pelo Serviço de Informação às Vítimas de Violência Domestica, deve dirigir-se a um posto da GNR, a uma esquadra da PSP, da Polícia Judiciária, aos serviços do Ministério Público do Tribunal da sua Comarcaou ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.