Mais de 10 mil sem teto ou nas ruas. Homens com mais de 45 anos são a maioria
Portugal tem mais de 10 mil pessoas em situação de sem-abrigo. Mas "quando se fala deste número, não significa que estejam todas na rua, ou, como se diz tecnicamente, sem teto". A informação é avançada ao DN por Henrique Joaquim, coordenador da Estratégia Nacional para a Integração da Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA). Os dados reportam ao ano de 2022 e indicam ainda que a maioria destas pessoas estão nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Em termos de perfil geral, a tendência não se tem alterado" de forma significativa nos últimos anos: "São pessoas do género masculino, com mais de 45 anos, e com um conjunto normalmente vasto e complexo de problemáticas associadas." Costumam ser, também, pessoas solteiras, com escolaridade "bastante baixa".
"O conceito de pessoas sem-abrigo divide-se em duas grandes categorias: sem teto e sem casa. As pessoas que estão já acolhidas em respostas continuam tecnicamente a ser consideradas pessoas em situação sem-abrigo", explica Henrique Joaquim. O levantamento feito pela ENIPSSA mostra que "as pessoas sem teto e sem casa dividem-se praticamente numa percentagem em metade-metade".
Apesar de o relatório deste ano não contemplar ainda esta variável, a partir do próximo ano a ENIPSSA espera conseguir estudar, também, a ocupação profissional destas pessoas sem-abrigo.
"Normalmente, estes casos têm como principal fonte de rendimento o rendimento social de inserção (RSI)." O desemprego "muitas vezes gerado por precariedade" é outro fator na equação. Mas, diz Henrique Joaquim, isto não significa "que estas pessoas também não possam ter ocupações, muitas vezes até na economia informal ou paralela, como se costuma dizer".
Há contudo uma articulação entre entidades para permitir aplicar as medidas, nomeadamente ao nível do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). "Desde 2020 já ocorreram mais de 400 colocações no mercado de trabalho, e foram realizadas mais de 2 mil intervenções, entre formação e acompanhamento. Muitas vezes é onde tem de estar o investimento maior, para que estas pessoas possam voltar a uma vida ocupada, quando têm esse perfil, e de preferência com recursos e com meios próprios.
Quando tomou posse como Presidente da República, em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa assumia a integração das pessoas sem-abrigo como um dos grandes desideratos do seu mandato. A certa altura, prometeu mesmo que faria de tudo para retirar todas as pessoas da rua até ao fim do mandato (em 2026) - algo que presumivelmente não acontecerá.
No passado dia 4 de dezembro, Marcelo admitiu que a estratégia delineada pelo Governo não resultara como esperado. Num evento da Associação CASA - Centro de Apoio Social do Anjos, o chefe de Estado defendeu que "nesta causa não há tempo perdido, mas acabando uma estratégia não se pode arriscar que se instale o vazio. A natureza do problema exige que a própria estratégia, de 2024 em diante, seja urgente, mais urgente" do que tem sido até aqui.
Com este objetivo, a Câmara de Lisboa discutiu, há uma semana, o Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo 2024-2030, que prevê uma execução, a sete anos, de quase 70 milhões de euros, divididos em cinco eixos de ação (prevenção, 900 mil euros; intervenção na rua, cerca de 1,8 milhões; alojamento, 63,3 milhões; inserção social, 3,45 milhões; e conhecimento e comunicação, 94 500 euros).
Apesar da abstenção do PCP e dos vereadores da coligação Cidadãos por Lisboa e o voto contra do Bloco de Esquerda, a proposta foi aprovada, e está agora em consulta pública durante 30 dias.
Segundo dados da Comunidade Vida e Paz, o número de sem-abrigo aumentou 25%. Mas, ao DN, o coordenador da ENIPSSA olha para o problema de outra perspetiva: "Desde 2020, podemos dizer que já retirámos 2 mil pessoas desta condição. Se formos mais atrás, a 2018/19, já ultrapassámos as 2500. É bom termos esta noção."
Isto significa que "as respostas não pararam, mesmo com a pandemia, os municípios não pararam e, a nível da estratégia nacional, aquilo que se tem feito é acompanhar de perto e ir reforçando as medidas que se vê que estão a dar resultado". Exemplo dessas medida são "as respostas habitacionais". Neste momento, há "cerca de mil lugares protocolados e criados com taxas de ocupação acima de 80% no modelo de habitação partilhada e housing first". "Já passaram por estas respostas mais de 850 pessoas." Estas são, no entanto, apenas respostas de transição, "que permitem depois às pessoas encontrar uma resposta definitiva. Isto tem pressuposto investimentos, grosso modo, na casa dos 5,5 milhões de euros". Há atualmente 40 novas candidaturas, que equivalem a 380 novos lugares.
Para já, sabe-se que, com as previsões de tempo mais frio para os próximos dias, Henrique Joaquim diz que a ENIPSSA tem colocado "a atenção e o foco na forma como os municípios adotam ao nível até das rede de Proteção Civil. Lisboa e Porto, designadamente, já os adotaram. O Porto está já muito atento e até de prevenção para ativar esse plano".