Maioria não, obrigado
Depois das eleições de ontem, há duas coisas que podem acontecer: a Europa dividir-se em antagonismos ou unir o que possa. Fazer uma frente progressista de Tsipras a Macron, ou seja da ex-esquerda radical grega ao centro radical francês, que imporá contra o PPE os lugares de topo e governará a Europa é um erro. Não é por ser de esquerda, é por ser uma facção contra outra.
A Comissão Europeia não é nem deve ser o governo da UE respondendo perante um parlamento onde há maioria e oposição.
A União Europeia não é um Estado, é um compromisso. Podemos não gostar do governo italiano ou de quem venceu as eleições na Grécia, mas - no limite do acordo pelo essencial dos valores europeus - se não os incluirmos estaremos a excluir quem os elegeu. E de fatia em fatia não se faz um objecto político mais sólido mas sim mais fracturado.
Fazer da presidência da Comissão uma arma de combate político tira legitimidade às suas funções. Deixa de ser "guardiã dos Tratados" para ser parte interessada. E menos respeitada.
Depois destas eleições o PPE terá de ceder lugares no governo da Europa aos socialistas e, sobretudo, aos "liberais" de Macron. Assim se respeita a verdadeira vontade popular, que tanto é expressa nas eleições para o Parlamento Europeu como nas 27 legislativas nacionais (neste caso os britânicos não podem contar). Pelo contrário, fazer uma frente "de esquerda" e criar um antagonismo entre o PPE e quase todos os outros pode servir interesses partidários mas não resolve nenhum problema europeu.
O presidente da Comissão Europeia e os restantes lugares de topo da UE devem ser escolhidos no Conselho, por acordo unânime entre os chefes de Estado e de governo da União Europeia, tendo em conta tanto os resultados das eleições europeias como a composição partidária do Conselho e, além disso, uma ponderação geográfica entre Norte e Sul, Leste e Oeste, grandes e pequenos. Ou seja, em vez de ser a expressão pura de uma relação de forças, tem de ser o equilíbrio possível entre as diferenças. Exactamente o que a União Europeia é suposto ser.
A invenção do spitzenkandidat veio corromper este processo. Faz-se de conta que há um candidato a presidente da Comissão, faz-se de conta que durante o mês e tal que durou a campanha as pessoas o ficaram a conhecer, faz-se de conta que votaram como votaram por causa da sua candidatura e no fim quer-se fazer de conta que a sua escolha para liderar a Comissão Europeia está legitimada pelo voto do povo. Ou, em alternativa, que há uma maioria eleitoral. Não há.
A liderança da União Europeia tem tudo a ganhar em ser uma responsabilidade partilhada pelos partidos que representam a maioria dos europeus. O interesse dos eleitores conquista-se com mais nacionalização da política europeia, não com mais partidarização.
Consultor em assuntos europeus
(Escreve de acordo com a antiga ortografia)