Maioria dos candidatos independentes são na verdade dissidentes partidários

Quase 6 em cada 10 candidatos independentes têm um passado partidário. O regresso dos "dinossauros" potenciou o fenómeno
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O panorama geral das candidaturas autárquicas dos "grupos de cidadãos eleitores" confirma a suspeita de que este mecanismo está a ser mais usado para resolver disputas internas nos partidos do que para promover movimentos verdadeiramente independentes.

Contas feitas pelo DN revelam que há 76 candidaturas independentes a câmaras municipais (nalguns concelhos, há mais do que uma, sendo o caso máximo Oeiras, com três, duas das quais protagonizadas por ex-PSD). Ora destas 76, pelo menos 43 - isto é, 56% - têm origem em dissidências partidárias. Trinta e três são candidaturas que se podem qualificar como genuinamente independentes. A mais relevante será a de Rui Moreira, no Porto. Só há, aliás, duas capitais de distrito com presidentes independentes: além de Moreira, no Porto, há o caso de Adelaide Teixeira, em Portalegre.

Nalguns casos - voltamos a Oeiras, ou, por exemplo, Gondomar - são dissidências já antigas (Isaltino e Valentim Loureiro deixaram de representar o seu partido de sempre, o PSD, em 2005, argumentando em ambos os casos o partido, nessa altura liderado por Marques Mendes, com o facto de estarem ambos envolvidos em processos judiciais).

Noutros, porém, a dissidência é recente. E tem em muitos casos que ver com o regresso de dinossauros autárquicos impedidos em 2013 de serem de novo candidatos devido à lei da limitação dos mandatos. Afastados há quatro anos por imposição legal, alguns pretendem agora voltar ao cargos que os fez feliz. Mas entretanto o lugar que detinham foi ocupado por outros. Daí avançarem encabeçando os chamados (segundo a lei autárquica) "grupos de cidadãos eleitores".

É o caso de, por exemplo, Rondão de Almeida, do PS. Durante vinte anos dirigiu a câmara de Elvas (distrito de Portalegre). Há quatro anos, por causa da limitação de mandatos, deu o lugar no topo da lista a Nuno Mocinha - que venceu. Rondão foi eleito na lista de Mocinha apenas como vereador e pretendia agora voltar a ser o cabeça-de-lista do seu partido. Recusando-lhe o PS o apoio, avança como independente.

No levantamento feito pelo DN, os distritos campeões em candidaturas independentes são os do Porto (nove candidaturas) e Leiria e Braga (oito, cada). No caso do Porto, só duas (Porto e Santo Tirso) se poderão qualificar como realmente independentes; todas as outras são dissidentes (três do PSD e quatro do PS). Em Braga, o panorama é parecido: um movimento independente, sete dissidentes (cinco do PS, dois do PSD); em Leiria, é mais equilibrado: quatro independentes e quatro com origem partidária, com origens no PSD e no PS mas também no PCP (Peniche).

Os comunistas, aliás, são no quadro parlamentar, o partido que menos complacente se tem revelado perante o fenómeno dos chamados "movimentos independentes". Como já escreveu no DN o principal responsável do partido pelo trabalho autárquico, Jorge Cordeiro, é errado pensar estas candidaturas como um "poço de virtudes em contraste com as malévolas intenções de candidaturas partidárias". "Com as devidas e respeitadas exceções que possam existir, o que o rasto destas candidaturas revela é o seu uso para dar expressão a coligações disfarçadas, abrigo para candidatos partidários desavindos com o seu partido, veículo para projetos de poder económico ou montra de ambições pessoais",considerou o dirigente comunista, num artigo assinado em março deste ano. Por causa desta solução política, o PCP arrisca agora perder, por dissidências dentro das listas do partido, pelo menos duas câmaras: a de Peniche e a da Vidigueira.

As candidaturas de "grupos de cidadãos eleitores" tornaram-se possíveis pela primeira vez em 2009. Apresentaram-se 54 candidatos a presidências de câmaras, tendo sete vencido. Em 2013, o número de candidatos rondou os 80 e o número de eleitos foi de treze. Ou seja, são claramente a quarta maior força. Seria preciso uma derrocada no PCP para subirem a terceira.

Números

Câmaras municipais. Há 308 concelhos em Portugal. 150 são de presidência PS, 106 do PSD (com 20 em coligação), 34 da CDU, 13 independentes e 5 do CDS.

Candidaturas independentes. Das 76 candidaturas independentes a câmaras municipais, 43 são protagonizadas por dissidências partidárias. Dá maioria absoluta: 56%.

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