Maioria absoluta?

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O problema que se coloca ao país nas eleições de 30 de janeiro é o de estabelecer um quadro de governação estável para enfrentar os desafios dos próximos anos. Fechar o ciclo negativo da pandemia, executar com aproveitamento o PRR, arrancar com o Portugal 2030 e acelerar nas transições gémeas - climática e digital -, modernizando a economia e atenuando as desigualdades, são empreitadas que não se compatibilizam com cenários de instabilidade política. Por isso, compreende-se que os partidos que aspiram a vencer as eleições ambicionem maiorias absolutas. As sondagens, porém, indiciam a grande dificuldade de PS ou PSD chegarem ao número mágico de 116 deputados. É pena, pelas razões que passo a explicar.

Em condições normais, seria positivo que um governo integrasse ou fosse suportado por diferentes forças políticas. Em Portugal, isso significaria agregar, à esquerda, partidos que não tiveram qualquer pejo em abrir uma incompreensível e inoportuna crise política quando o país estava a braços com uma pandemia; e, à direita, juntar partidos radicalizados e agarrados a um passado de matriz salazarista.
O valor acrescentado de pequenos partidos com agendas diversificadas não deveria ser desvalorizado. Contudo, há dois requisitos que não são dispensáveis: o da responsabilidade e o da visão progressista. Nem um, nem outro estão satisfeitos no momento presente.

À esquerda, Catarina Martins e o BE estão a seguir a trajetória de Jerónimo de Sousa e do PCP. Ambos se socorrem de um cavalo de Tróia, que nos primeiros é o Serviço Nacional de Saúde e nos últimos é o histórico movimento sindical. No caso do BE, a opção não tem nada de ideológico, obedecendo apenas a um critério: encontrar um saco de boxe duradouro, que sabe que nunca responderá na perfeição às necessidades, por óbvias razões orçamentais. Assim, e explorando a sensibilidade do cidadão comum às questões da saúde, Catarina Martins cavalga no tema em todas as suas intervenções públicas, como se o mundo começasse e acabasse no SNS. Por outro lado, BE e PCP continuam fiéis às suas convicções "anti": contra a Europa, contra o Euro, contra o pagamento da dívida, contra o limite ao défice, contra as empresas privadas. As suas propostas são um rol insustentável de aumento da despesa pública que convence cada vez menos portugueses.

À direita, a situação é um pouco diferente. Chega e CDS/PP não são gémeos. O Chega é um projeto individual, assente num modelo de propaganda que não dignifica a política, explorando as debilidades de muitos portugueses que, por desinformação, protesto ou desespero, lhe entregam o voto. A técnica de repetir a mensagem da divisão do mundo entre bons e maus, brancos e pretos, fiéis e infiéis, nós e eles foi testada e usada em abundância por Hitler e é hoje prática comum entre movimentos jihadistas. É muito eficaz, mas, sejamos claros, engana ostensivamente as pessoas. Esse é o modelo de negócio do Chega e de André Ventura, que desgraçadamente está na fase de ascensão.

O CDS, por sua vez, oferece-nos uma agenda bolorenta. As suas propostas resumem-se em duas ideias-chave: a destruição do Estado Social, com os seus "via verde saúde" e "cheque-ensino", e o regresso ao Portugal marialva, com o mundo rural no centro da governação, as praças de touros cheias de miúdos e a cidadania optativa nas escolas.

Com este mapeamento, os portugueses decidirão se querem uma maioria absoluta estável, que será julgada ao fim de quatro anos, ou se querem que PS ou PSD se casem com estes protagonistas das margens.


Professor catedrático

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