Maior credor do país quer controlar diretamente o défice

Num futuro próximo, os programas de resgate e ajustamento deixarão de ser feitos em formato <em>troika</em>. Os pontas-de-lança vão ser a Comissão e o Mecanismo Europeu de Estabilidade.
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O maior credor de Portugal, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE ou ESM na sigla em inglês), que antes se chamava "Facilidade", quer ter mais peso e voz no controlo direto dos défices e das contas públicas dos países em futuros programas de ajustamento e resgate.

Portugal deve a este Mecanismo Europeu mais de 27 mil milhões de euros. Foi um dos empréstimos que, a partir de 2011, ajudaram a salvar o país da bancarrota. No total, o resgate ascendeu a cerca de 78 mil milhões de euros. A parte do FMI já está quase paga, mas falta ainda reembolsar tudo da parte europeia do resgate (além do ESM há um empréstimo montado pela Comissão, cujo valor atual está nos 24,3 mil milhões).

O empréstimo do ESM só começará a ser pago em 2025, o que faz dele o maior credor da República, atualmente e nos próximos sete anos, pelo menos.

Num encontro com jornalistas promovido pelo Banco Europeu de Investimento (BEI), na sede do ESM, no Luxemburgo, o diretor-geral desta instituição, o alemão Klaus Regling, explicou em resposta a questões do DN/Dinheiro Vivo o papel e as funções que deseja para a sua instituição no âmbito da reforma da zona euro.

A reforma tem vários pilares e um deles é como serão feitos e coordenados eventuais programas de ajustamento económico e financeiro, por exemplo. Como é que serão acompanhados os resgates.

No passado, veja-se o exemplo recente de Portugal, Grécia e Irlanda, os programas eram liderados pela chamada troika. Equipas da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional visitavam (e ainda hoje visitam por causa das avaliações pós-programa) e monitorizavam os países sob resgate para aferir se estes estavam a cumprir metas orçamentais, de desendividamento, a fazer reformas estruturais, como racionalizar pensões, salários, flexibilizar o mercado laboral.

Num futuro próximo, todo este trabalho deixará de ser feito em formato troika; os pontas-de-lança passarão a ser a Comissão (para as reformas estruturais) e o Mecanismo (para as dimensões mais financeiras e orçamentais).

A ideia, explicou Regling, é que "nós somos credores e queremos ser pagos um dia, estamos focados nisso", portanto é preciso acompanhar de muito perto as finanças públicas dos países que forem ajudados e avaliar as trajetórias de défice e de dívida no longo prazo para perceber se esses soberanos devolvem o que devem.

BCE e FMI envolvidos, mas menos do que no passado

"No futuro, os programas de ajustamento serão coordenados principalmente pela Comissão e o Mecanismo Europeu de Estabilidade", respondeu o chefe do ESM.

Assim será, mas o BCE deve "continuar a dar aconselhamento em questões relacionadas com o setor financeiro, não irá desaparecer, mas não terá um mandato amplo [como aconteceu nos programas passados]".

Além disso, acrescentou o dirigente, "o FMI também poderá ser nosso parceiro no futuro, mas serão principalmente a CE e o ESM a coordenar".

Os países do euro já concordaram que o modelo de base é esse, uma dupla de instituições, mas ainda falta acertar detalhes. Em termos genérico, já se sabe o que vai fazer a CE e o que fará o ESM nos programas de resgate futuros.

"Temos de organizar o nosso trabalho porque não queremos duplicar trabalho. Nós temos a perspetiva do credor, porque emprestamos dinheiro e queremos o nosso dinheiro de volta um dia."

Ou seja, "tal como um banco quando empresta dinheiro para alguém comprar casa, quer saber se o cliente é capaz de fazer o reembolso", ressalvando as diferenças "este é o nosso tipo de interesse", vincou o mesmo responsável.

A Comissão é mais um think tank

Já a Comissão Europeia "tem interesses muito mais alargados, nesse sentido, é como um think tank, que olha para a situação da Europa como um todo. É muito importante, mas é uma perspetiva diferente".

"Penso que podemos trabalhar em conjunto de forma produtiva, trazendo diferentes visões. Nós, além de sermos credores, também sabemos o que está a acontecer nos mercados porque estamos lá todos os dias, algo que a Comissão não faz. Emitimos obrigações, bilhetes [dívida de curto prazo], temos uma sala de mercados aqui na nossa sede", enumerou Regling.

Além disso, "temos de investir o nosso capital efetivo, os 80 mil milhões de euros que os Estados membros da zona euro nos deram. Esse dinheiro não é usado para empréstimos, está lá como proteção para os obrigacionistas [quem compra as obrigações do ESM]".

Por outro lado, "a CE tem um programa para fazer muitas coisas. Se olhar para os programas de Portugal ou da Grécia, vemos que a especialidade da CE é em muitas áreas nas quais não estamos de todo ativos. Nas reformas do mercado de trabalho, das pensões, no setor da energia."

Segundo o representante máximo do credor oficial de Portugal, "nós não vamos duplicar isso, de todo, não vamos entrar nas reformas estruturais, precisamos sim é de estar atentos, em particular, ao lado orçamental, aos défices orçamentais, à trajetória orçamental das próximas décadas. Temos um interesse muito circunscrito às áreas que são importantes para avaliar a capacidade de pagamento do empréstimo por parte de um país", rematou.

*O jornalista viajou a convite do BEI.

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