Mafra cresce em população. O trunfo? Lisboa a 40 minutos
O segundo concelho do país que mais cresceu em residentes, tanto em números absolutos como relativos, Mafra mantém as características rurais com as vantagens de um meio urbano -- juntando o centro histórico na envolvente do convento a uma malha de edifícios pequenos que alastra pelo eixo Mafra, Venda do Pinheiro, Malveira e Ericeira, servido pela autoestrada A 21, concluída em 2008. O mar está perto, há quintas e mata pelo meio, e o centro de Lisboa a 40 minutos, uma vantagem para os mafrenses, mesmo os que digam ter fugido da confusão da capital. Além disso as casas são mais baratas, embora o valor quase tenha duplicado nos últimos cinco anos.
Mafra ganhou 9838 residentes entre os Censos de 2011 e 2021, somando 86 523, em contracorrente com o que se passa na generalidade dos municípios portugueses. Só Braga acolheu mais habitantes, 11 839 (mais 6,5%), totalizando 193 333. Odemira fica à frente em termos relativos (mais 13,3%), fixando-se nos 29 523.
São números esperados pela autarquia, embora o seu presidente, Hélder Sousa Silva, militante do PSD que concorre nas eleições autárquicas de setembro para o terceiro mandato, estime que estejam longe da realidade. "Serão mais 10/15 mil, estamos perto dos 100 mil habitantes. Vemos isso no consumo de água e na produção de lixo", frisa ao DN.
No ano passado os serviços camarários recolheram 40 269 toneladas de resíduos urbanos (recolha seletiva e indiferenciada), mais 6,1% do que em 2019 (37 953). E, no primeiro semestre deste ano, foram 20 544 toneladas, com os meses de fevereiro e março a registarem um aumento de 10%.
Na Área Metropolitana de Lisboa, Oeiras e Amadora perderam habitantes para a coroa mais alargada da região. Os acessos rodoviários, conjugados com o passe Navegante, que permite circular pelos 18 concelhos por 40 euros mensais (em Mafra pagava-se 170 euros pelo passe para Lisboa) , expandiram as zonas de residência. No caso de Mafra, com a vantagem de a habitação ser mais acessível. Mas o seu custo pode deixar de ser uma vantagem, com os preços do metro quadrado a aumentarem de 922 euros/m2 (2016) para 1593/m2 (2021), segundo a autarquia. Por outro lado, a taxa do imposto imobiliário é a mais elevada permitida por lei (0,45%) e também a água e o saneamento são mais caros.
A família de Carlos Branco, 39 anos, é paradigmática. Mora em Mafra desde 2017, onde compraram um T3 num dos bairros mais recentes, Santa Bárbara. Uma casa, com varanda e garagem, 120 m2 numa urbanização bonita e harmoniosa, custou 115 mil euros. Em Loures, onde residia, pagaria quase o dobro, assegura. E tem vantagens. "Está perto do mar, é sossegado, tem escolas melhores e mais recentes, espaços verdes, mais sítios para passear; o parque municipal e o Jardim do Cerco perto; a Ericeira a dez minutos de casa". Problemas? "Ainda não encontrei."
Carlos é gestor de clientes numa empresa em Cabo Ruivo, Lisboa, leva 30 a 40 minutos na deslocação. O único senão são os 1,65 euros que paga de portagem (A 21 A 8). Com a pandemia, ele e a mulher gerem as idas ao escritório com o teletrabalho, o que reduz custos. E Mário, o filho de 5 anos, agradece os espaços envolventes para brincar.
Inês Cristóvão, 42 anos, bióloga, funcionária pública, regressou "à terra" no ano passado, cumprindo o desejo de que assim faria quando fosse mãe. O Raul nasceu há oito meses. "Fui para a faculdade em Lisboa, tirei o curso e lá fiquei, durante 20 anos. Continuei muito ligada a Mafra onde vinha praticamente todos os fins de semana, tenho cá os meus pais, avó, os amigos de infância, o meu companheiro é de cá. Quando engravidei, achámos que fazia sentido virmos para cá. Tem muito que ver com o sistema de apoio para um bebé, mas também pela tranquilidade e pelo espaço."
A instituição onde trabalha é em Lisboa, mas agora muitos são os dias de teletrabalho. O marido é músico, área que tem estado parada com a pandemia. Ganha o Raul, a quem os pais querem proporcionar uma boa infância. "Espero que, quando crescer, consiga beneficiar de morar num sítio pequeno, tranquilo e com espaço para brincar."
As razões de Carlos e Inês colam com os fatores de atratividade do concelho apontados por Hélder Silva: "Proximidade de Lisboa, renovação do parque escolar e valorização dos espaços públicos. Mais emprego, o número de empresas passou de 9283 para 11 371, mais 22,5% nos últimos dez anos, temos uma taxa de desemprego de 3,3% . Segurança e notoriedade do território, há 10/15 anos, Mafra estava fechada para o mundo."
Muito tem contribuído a notoriedade da Ericeira -- primeira reserva mundial de surf da Europa e a segunda do mundo. É aqui também que vive Kanoa, o surfista japonês medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020). Também a classificação do Convento e da Tapada de Mafra como Património Mundial da UNESCO ajudam a este despertar para o concelho. E, neste ano, vai começar a funcionar a Academia do Ensino Superior de Mafra, que administra cinco licenciaturas, numa parceria com os politécnicos de Santarém e Tomar.
A saúde é a área onde a autarquia admite falhas. Têm renovado os centros de saúde, mas faltam médicos. Criaram um programa que acresce 400 euros ao salário mensal dos clínicos durante dois anos, mas, ao fim desse período, muitos regressam à base. Têm 10 mil utentes sem médico de família, o autarca diz que já foram 30 mil.
João Barroso, 60 anos, criado na Avenida de Roma, em Lisboa, trocou há 20 anos a grande cidade pela vila, um local que diz ter tido mais vantagens. "O concelho teve um crescimento muito grande e não foi acompanhado com a criação de infraestruturas. Por exemplo, para entrar e sair das autoestradas, são filas enormes, é um para-arranca, para-arranca", critica este engenheiro de eletrónica.
Anabela Dias, 49 anos, nascida e criada no concelho, acredita que conseguirão manter a qualidade de vida apesar do boom. "Tem-se notado que há muita gente de Lisboa a vir para cá, que Mafra se está a tornar num dormitório, com a vinda de muitos casais jovens. Mas mantém o sossego, a paisagem e a beleza. As pessoas vêm, gostam do sítio e ficam." A vivenda onde mora custou 250 mil euros há cinco anos. "Três pisos, uma casa espetacular", diz.
São os novos residentes que animam o negócio familiar de Anabela, o Convento da Cerveja, aberto há 13 anos, em frente ao ex-líbris da vila. Aumentaram a esplanada para respeitar as restrições da covid-19, com muito mais portugueses do que estrangeiros. Tem uma filha de 28 anos e o Cristiano, de 12.
António Pinho, 50 anos, vendedor de peças de automóvel, trocou o Campo Grande por Mafra há 30 anos. "Não havia nada, nem um café." Os edifícios amarelos onde vive atualmente, na Rua do Sol Nascente, ficam num alto, com vista para o mar e para o convento. Tem parque infantil e campos de jogos. Menos simpático é o vento que se faz sentir. À pergunta: "É sempre assim?", responde: "É pior." O clima na região é um contratempo para quem gosta de sol e de calor. Tem uma filha de 18 anos.
A urbanização ficou concluída em 2008, António pagou 174 mil euros por um T3, 120 m2, três boas varandas. Pagou mais do que o vizinho, Gonçalo Rodrigues, 41 anos, que para ali veio morar três anos depois, em 2011 (165 mil euros), que beneficiou da crise financeira. Foi pintada recentemente, beneficiando do programa Mafra Requalifica, um apoio de 9 euros/m2para pintar as construções com mais de dez anos, verba que é retirada da receita do IMI. Gonçalo tem dois filhos, de 3 e 7 anos. Está em teletrabalho, mas quando tem de ir à empresa, em Oeiras, leva 30 minutos, paga 2,35 euros de portagem para cada lado.
As portagens não fazem diminuir os elogios a Mafra. "Temos qualidade de vida e não há problemas sociais." Temem que possa haver deterioração com o crescimento, mas, para já, o balanço continua positivo. "A escolas são boas, temos boas infraestruturas desportivas. A única coisa de que sentimos falta é de um grande hospital", lamenta.
Tinham a perceção de que Mafra seria um dos concelhos que mais cresceram nos últimos anos?
Tínhamos, até pelo acompanhamento efetuado durante a realização dos Censos. Mas os números não refletem a realidade, são mais 10 a 15 mil habitantes do que 86 523. Sendo um destino de férias e de fim de semana da Área Metropolitana de Lisboa, com a pandemia, as famílias dividiram-se e escolheram as casas de família para residir definitivamente. Mas quando os recenseadores lhes batiam à porta, diziam que não se recenseavam para continuar a usufruir do estacionamento em Lisboa.
Em que freguesias houve um maior crescimento?
Essencialmente, no eixo urbano Ericeira-Mafra e Malveira-Venda do Pinheiro, que é servido pela autoestrada A 21. O primeiro troço, entre Mafra e Venda do Pinheiro, foi concluído em 2005 e o último, entre Mafra e Ericeira, em 2008. São quatro das 11 freguesias do concelho. Na área mais rural, o aumento foi menor.
Quem são estes novos residentes?
São casais jovens, entre os 30 e os 45 anos, recém-casados ou com filhos em idade escolar, pessoas com formação superior e que trabalham na Grande Lisboa. Com a pandemia, há uma alteração do paradigma relativamente à questão do teletrabalho e da aproximação das famílias à casa, sentimos isso nas componentes de apoio à família. Há uma maior permanência dos pais em casa e menor dos filhos nas creches. Há uma maior tendência para as pessoas trabalharem na residência e fazerem menos viagens a Lisboa.
Onde é preciso investir?
As infraestruturas estão construídas mas precisam de ser melhoradas, é o reverso da medalha. Falamos do tratamento de afluentes, estamos em negociação para o reforço da capacidade do tratamento de águas e da capacidade de armazenagem e distribuição à população. Reforço da capacidade de recolha de lixo. A nível das telecomunicações, há uma urgência em levar as autoestradas da informação aos quatro cantos do concelho com o investimento na fibra ótica. Tivemos de ampliar tudo o que é desgaste do espaço público, investir nos próprios funcionários da câmara. Vamos admitir 50 assistentes para as escolas.
Quantos alunos têm?
Cerca de 14 mil desde o jardim-de-infância até ao 12.º ano. Há oito anos, eram 11/12 mil.
O que também traz pressão nos cuidados de saúde...
Temos dois grandes centros de saúde, semi-hospitais. A nível da das infraestruturas da saúde, o investimento está feito para próximos 20 anos. As nossas lacunas são na fixação de médicos.
E o parque escolar?
Tem de ser ampliado, as infraestruturas estão a ser pensadas. Somos o único concelho que está a abrir escolas em vez de fechar.
Uma das queixas que se ouvem é o trânsito...
Nota-se um aumento de carros, mais trânsito particularmente no dito trecho urbano, entre Malveira e Venda de Pinheiro, também nos centros de Mafra e da Ericeira. Isso obriga a uma conjugação entre mais parques de estacionamento e os transportes públicos.
Os serviços públicos têm acompanhado este crescimento?
Não tem acontecido na mesma proporção. A área da educação é a única que tem acompanhado, uma vez que a lei é clara em relação ao rácio aluno/professores/assistentes técnicos e operacionais.
Até onde Mafra poderá crescer?
Mafra tem um potencial enorme em termos de espaço para crescimento. Apostamos na consolidação dos aglomerados urbanos, no preenchimento dos espaços entre estes.
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