"Madre Teresa já estava canonizada pelo povo"

D. Manuel Martins, primeiro bispo de Setúbal, recorda a ajuda dada pela santa ao concelho. Canonização é "reconhecimento oficial"
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Ganxhe Bojaxhiu, mundialmente conhecida como madre Teresa de Calcutá, será canonizada no dia 4 de setembro. "Será um reconhecimento oficial. Vai para os altares, mas já estava canonizada pelo povo", diz ao DN D. Manuel Martins, antigo bispo de Setúbal, que na década de 1980 pediu ajuda para a diocese à madre, tendo recebido a sua visita pouco tempo depois. "Tinha uma força fantástica e uma presença esmagadora, que quase nos obrigava ao silêncio", recorda.

O decreto da canonização foi assinado ontem pelo Papa Francisco, depois de uma reunião de cardeais (consistório) para examinar a causa da religiosa, que morreu em 1997 e foi beatificada em 2003. Madre Teresa de Calcutá ficou conhecida pela sua obra de caridade na Índia, mas também deixou marcas do seu trabalho em Portugal. Em Lisboa, Setúbal e Faro, as Missionárias da Caridade - congregação que fundou - continuam a ajudar famílias carenciadas, crianças abandonadas, deficientes e idosos.

Pouco tempo depois de ter sido nomeado bispo de Setúbal, em 1975, Manuel Martins escreveu uma carta a madre Teresa, pedindo-lhe que avaliasse a possibilidade de a sua congregação visitar o concelho, que atravessava uma crise económica e social. "Respondeu-me prontamente, dizendo que não conhecia Setúbal, mas que ia enviar irmãs para a região." Assim foi. Um ano depois, o bispo recebeu a notícia de que chegariam passado sete dias. Foi alugado um apartamento, onde colocaram sofás, um frigorífico, uma televisão. Quando as quatro irmãs chegaram, pediram que tirassem tudo aquilo da casa.

Vestidas como madre Teresa de Calcutá - com um sari branco, debruado de azul -, as irmãs saíam à rua para ajudar os mais pobres e desfavorecidos. As pessoas ficavam "chocadas e encantadas" só com a sua presença na diocese. "Para algumas pessoas, era uma oportunidade para fazerem muitas perguntas interiores."

Algum tempo depois, chegou a Portugal a futura santa. Quando se encontrou com o bispo, disse-lhe: "Ou arranja uma casa para recebermos as pessoas que acudimos, ou vou dizer às irmãs que as mandem para a sua residência." Foi "uma graça", mas Manuel Martins percebeu que tinha de arranjar uma solução. Compraram uma quinta, à qual a freira chamou "Causa da nossa alegria."

Sabendo da sua passagem por Setúbal, muitos quiseram vê-la. "E conseguiram." Madre Teresa era uma pessoa "simples, miudinha e magrinha", mas ao mesmo tempo "esmagadora." "Estas pessoas cheiram a qualquer coisa de diferente, a santidade. Uma pessoa sente-se quase anulada", lembra Manuel Martins. O antigo bispo de Setúbal diz que "antigamente as canonizações eram feitas pelo povo, pelo que Madre Teresa de Calcutá já estava canonizada." Depois de tudo o que sentiu na sua presença, conclui, não lhe causou qualquer espanto o reconhecimento oficial.

Dois milagres reconhecidos

A canonização tornou-se pública no consistório, mas já tinha sido anunciada em dezembro, depois de ter sido reconhecido o segundo milagre da religiosa: a "cura extraordinária" de um homem brasileiro em 2008, que se encontrava em fase terminal por graves problemas cerebrais. Já em 2002 lhe foi atribuída a cura de uma mulher de 30 anos, que sofria de um tumor abdominal.

Ganxhe Bojaxhiu nasceu em Skopje (Macedónia), a 26 de agosto de 1910, no seio de uma comunidade albanesa. Durante meio século, a beata dedicou-se à caridade em Calcutá com as Missionárias da Caridade, a congregação que fundou depois de uma experiência mística e, em 1979, foi distinguida com o Nobel da Paz, pelo seu trabalho junto dos mais pobres. Madre Teresa de Calcutá - também conhecida como "santa das sarjetas" - morreu a 5 de setembro de 1997, aos 87 anos, na sede das Missionárias da Caridade, onde morava.

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