Madre Teresa de Calcutá é a "expressão viva da misericórdia"

Missionária é hoje canonizada. Dom Manuel Martins, bispo Emérito de Setúbal, relembra como a congregação chegou à cidade e a visita da religiosa, no início dos anos 80
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Dom Manuel Martins foi nomeado primeiro bispo de Setúbal em julho de 1975. Para a diocese queria uma Igreja não de palavras "mas de sinais", que "vive para o serviço dos outros, sobretudo dos mais pobres". E em 1976 escreveu a Madre Teresa de Calcutá, que nesta manhã é canonizada numa missa presidida pelo Papa Francisco.

A resposta chegou por carta, "escrita por mão própria", lembra D. Manuel Martins, e nela Madre Teresa dizia que "nunca tinha ouvido falar de uma terra chamada Setúbal", mas que abrindo uma casa em Portugal seria aí. Não muito tempo passado, a diocese recebeu a notícia de que as irmãs da congregação Missionárias da Caridade chegavam na semana seguinte. "Arranjámos uma casa, preparámos a casa modestamente, mas com um sofá, uma televisão, um frigorífico. Logo que chegaram, quatro raparigas muito simpáticas, de sari, pediram que retirássemos o sofá, a televisão e o frigorífico. Bom... o frigorífico estranhámos, mas elas explicaram: "Nosso Senhor disse que nem às aves do céu faltaria com comida"."

Anos depois, Madre Teresa visitou Portugal e, não tendo ainda a Congregação uma casa, dirigiu-se a Dom Manuel. Recorda o agora bispo emérito de Setúbal: "Disse-me: "Senhor bispo trate de arranjar uma casa onde as irmãs possam realizar a sua missão. Se não lhes arranjar uma, já lhes disse que levem os pobres para sua casa"." E a casa "apareceu". "Com o entusiasmo de um pároco, conseguimos adquirir o Palácio Botelho Moniz. Julgo que foram 60 mil contos na altura [300 mil euros]. Foi um milagre da Providência conseguir juntar aquele dinheiro." Sobre Madre Teresa, diz D. Manuel que era "simples, simpática", com uma presença "imensa, ilimitada", a "expressão viva da misericórdia de Deus".

"Trabalho caritativo e oração"

Ainda hoje, as Missionárias da Caridade estão no mesmo palácio de Setúbal. A Ordem abriu mais duas casas, uma em Faro, outra em Lisboa. É nesta última que José (que não quis dar o sobrenome) trabalha como voluntário - integra um grupo de seis pessoas que, às terças-feiras de manhã vai à casa da congregação, em Chelas, ajudar na assistência a vários acamados, não só mas sobretudo idosos. José conta que há cerca de 200 voluntários ativos, a ajudar nas mais diversas tarefas. Além das pessoas acolhidas na casa, a congregação presta apoio a famílias carenciadas.

Das irmãs (que se escusaram a falar ao DN) diz que são pessoas "muito simples", que fazem "um trabalho caritativo com uma grande carga de oração". "A mensagem é sempre a mesma: o amor de Jesus que é transmitido pelo exemplo. As irmãs acolhem aqueles que ninguém quer, que não se enquadram na Segurança Social, que não têm nenhuma ajuda do Estado" - os "pobres dos pobres", na expressão da própria Madre Teresa. José já esteve em Calcutá e na casa da congregação em Adis Abeba, Etiópia. "Fez-me até mais impressão do que em Calcutá. Não há hospitais, não há médicos, não há enfermeiros".

A Congregação das Missionárias da Caridade estende-se atualmente por 130 países, reunindo 4500 religiosas. Cerca de uma dezena e meia estão em Portugal.

É a herança deixada por Teresa de Calcutá, nascida Agnes Bojaxhiu a 26 de agosto de 1910, em Skopje (atual Macedónia), no seio de uma família católica albanesa. Aos 18 anos parte para a Irlanda, para se juntar às Irmãs de Loreto, em Dublin, partindo um ano mais tarde para a Índia. Será só no final dos anos 1940 que funda a congregação Missionárias da Caridade, para ajudar os "mais pobres dos pobres". Cria escolas ao ar livre, centros para leprosos, para idosos, para crianças, um trabalho que em 1979 é reconhecido com o Nobel da Paz. Morreu a 5 de setembro de 1997.

Ícone popular, não isenta de críticas

Figura universal, Teresa de Calcutá não é, no entanto, unânime. Ao longo dos anos, ainda em vida e após a sua morte, muitos questionaram a obra de Madre Teresa, nomeadamente quanto às condições deficientes em que seria prestada assistência nos espaços da congregação (reutilização de seringas, por exemplo, ou não separação de doentes contagiosos). Foi também criticada por não levantar a voz contra as causas da extrema pobreza daqueles que ajudava - e a este propósito Dom Manuel Martins conta que a questão lhe foi posta num encontro durante a visita a Portugal, ao que a religiosa retorquiu: "O que faço é dar de comer aos que têm fome, para que as pessoas, com o estômago composto, possam manifestar-se e reivindicar."

As posições contra o aborto - que deixou claramente expressas no discurso de agradecimento do Nobel - foram outro ponto que lhe valeu muitas críticas. Nenhuma se sobrepôs à imagem da religiosa que dedicou ao vida aos pobres, e que se transformou num ícone popular do século XX.

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