Madalena Victorino põe-nos a conversar com o corpo
Como é dançar? Madalena Victorino fica um segundo em silêncio antes de responder. "Dançar é deixar que seja o corpo a dançar e não eu. Ouvir o que o corpo me quer dizer. A dança aquece o corpo e depois ilumina a mente, é o corpo que começa a dirigir o pensamento. E depois é uma sensação de uma enorme alegria, uma sensação intensa de estar vivo."
Dançar continua a ser a base do trabalho de Madalena Victorino, mesmo quando o trabalho vai muito para além da dança. E com ela vai sempre além da dança. Foi isso mesmo que reconheceu o júri que decidiu atribuir-lhe o Prémio Universidade Coimbra, no valor de 25 mil euros, um prémio que distingue anualmente uma personalidade portuguesa pela sua "intervenção particularmente relevante e inovadora nas áreas da cultura ou da ciência". O prémio será entregue na próxima quarta-feira, pela primeira vez a alguém do mundo da dança.
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Madalena Victorino tem 60 anos. Estudou na Escola Alemã, fez ginástica rítmica e sempre gostou de tudo o que tinha a ver com a atividade física. Até que um dia fez uma aula de dança moderna. "A ideia de que a dança é uma linguagem e que podia dizer coisas com o corpo foi uma grande descoberta", lembra. Aos 18 anos foi para Londres estudar dança. Estávamos em 1974: "Foi a revolução do país e também a minha própria." Nos primeiros dois anos, frequentava a escola de Martha Graham, e trabalhava, como mulher-a-dias ou a servir à mesa. Só ao fim de dois anos, quando entrou para Laban Center for Movement and Dance, é que teve uma bolsa da Fundação Gulbenkian.
Entre 1989 e 1996, foi coreógrafa e professora, tendo fundado o Fórum Dança. Depois, Miguel Lobo Antunes convidou-a para integrar a primeira equipa de programadores do Centro Cultural de Belém. Madalena pôs de pé o Centro de Pedagogia e Animação do CCB, mostrando que era possível ter uma programação de grande qualidade para os mais pequenos.
"Programar para mim é uma grande coreografia, é pôr as pessoas em movimento, a irem ao encontro umas das outras", diz, com a sua voz tranquila. Desde que saiu do CCB, Madalena continua a coreografar, a dar aulas de dança e a programar, e a fazer isto tudo, muitas vezes, com pessoas que não são artistas. "Todos nós somos capazes de criar, não precisamos é estar preocupados em fazer a obra prima. Mas se formos criativos no nosso trabalho e na nossa vida somos muito mais felizes porque estamos a contribuir com qualquer coisa mesmo que seja pequena, e que vai alterar ligeiramente o curso do mundo." Do nosso mundo ou do mundo de alguém.
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Para fazer isso, tanto pode mudar-se para o Ribatejo para fazer um trabalho sobre touradas, como instalar-se no Intendente. Por estes dias, Madalena está em Aljezur onde, com o seu companheiro de há 21 anos, Giacomo Scalisi, coordena o projeto "Lavrar o Mar". "Nós tínhamos este desejo há muitos anos já, costumávamos vir para aqui nas férias, gostamos muito desta região mas a atividade cultural está pouco desenvolvida, há pouca dinâmica, e há aqui pessoas tão interessantes, muito sábias sobre a terra e a relação do homem com a terra", diz. O "Lavrar o Mar", que tem o apoio do programa "365 Algarve", começou em novembro e desenvolve-se até maio, ou seja, no período em que há menos turistas, no eixo de Aljezur e Monchique.
Mas o objetivo não é programar atividades culturais mas, sobretudo, envolver as pessoas da região nessas atividades. "Queríamos mesmo escavar dentro do território para trazer à superfície as coisas bonitas que cá estão." Em novembro, conseguiu juntar cerca de 90 imigrantes asiáticos, que estão na região para trabalhar na agricultura intensiva, no espetáculo Alt Téo Bu. "Fui ao encontro deles, nas ruas, nas lojas, nos cafés. Tivemos que ser muito flexíveis porque eles têm pouquíssimo tempo livre. Mas foi muito bonito." Agora, está a trabalhar com vários artistas que vivem na região para fazer um espetáculo intitulado Rastilho e que será apresentado no fim de semana da Páscoa, ao ar livre, num trilho da rota vicentina, com cães e burros também. "Tenho um projeto de vida que é precisamente tornar a dança acessível, mas de forma a que ela nessa acessibilidade não se banalize nem se superficialize, mas ao contrário, conseguir passar aquilo que de mais profundo a dança tem nos seus princípios, que é a valorização do corpo como ferramenta para a comunicação, e a partilha, porque a dança é, na sua origem, uma arte comunitária. Cada um temo seu papel na vida e o meu papel é este. "
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