O tema oficial da cimeira União Europeia-União Africana, que hoje começa em Abidjan, na Costa do Marfim, é "investir na juventude para um desenvolvimento sustentável". Mas um encontro entre uma UE minada pelo brexit e pela crise política na Alemanha e uma UA a braços com o terrorismo e conflitos regionais, a questão da migração não deixará de estar em cima da mesa, sobretudo com milhares de africanos a tentarem chegar à Europa. E depois das recentes notícias sobre leilões de escravos negros na Líbia..A cimeira dura até amanhã, mas ontem Emmanuel Macron já deixou uma mensagem aos jovens africanos. De visita ao Burkina Faso, o presidente francês anunciou que vai propor uma "iniciativa euro-africana" para "atingir as organizações criminosas e as redes de tráfico" que exploram migrantes subsarianos na Líbia". Diante de 800 alunos da universidade de Ouagadougou, Macron (que faz 40 anos a 21 de dezembro) aproveitou a sua "prova oral africana" - como lhe chamaram os media franceses - para se apresentar com o representante de uma geração que "não veio aqui para vos dizer o que fazer" e para a qual "os crimes da colonização europeia são incontestáveis". Na antiga colónia francesa do Alto Volga, o presidente fez no entanto questão de sublinhar que também "se fizeram grandes coisas e houve histórias felizes" nesse passado..Apesar das palavras de apaziguamento, a visita de Macron foi marcada pela tensão, com uma manifestação de jovens burkinenses, que queimaram T-shirts com a imagem do presidente francês e empunhavam cartazes onde se lia: "Abaixo o novo colonialismo" ou "militares franceses fora do Burkina". A sua comitiva foi apedrejada e um ataque à granada, na segunda-feira, contra soldados franceses acabou por não fazer vítimas. Momentos que revelam a crescente hostilidade da juventude africana em relação à presença de França no continente..Macron garantiu que ficará "ao lado dos que acreditam que África não é um continente perdido, nem precisa de ser salva". Eleito em maio, desde então o fundador do La République en Marche!, que em estudante fez um estágio na Nigéria, fez desde então duas visitas-relâmpago ao Mali. Mas esta é diferente, levando-o ao Burkina Faso, Costa do Marfim, onde assiste à cimeira UE-UA e ainda ao Gana..Macron não é o primeiro presidente francês a tentar romper com a política francesa em África. O antecessor François Hollande afirmou em 2012, numa visita ao Senegal, que "o tempo da Françafrique acabou", numa referência à rede de diplomatas, militares e empresários franceses que durante décadas após a independência continuou a influenciar as ex-colónias..Na primeira cimeira UE-UA após o afastamento do presidente do Zimbabwe Robert Mugabe e na estreia de João Lourenço como presidente angolano, o encontro de Abidjan pretende que os dois blocos trabalhem em conjunto num investimento na juventude. Afinal, dos 1200 milhões de africanos (segundo dados comparativos do Eurostat), 60% têm menos de 25 anos..Esta enorme população jovem e a falta de opções que muitas vezes encontram nos seus países está em grande parte na origem da atual vaga de migrantes que não hesita em arriscar a vida atravessando o deserto do Sara para chegar ao Mediterrâneo e atravessar em direção ao que sonham ser uma vida melhor na Europa. Muitos são vítimas de redes de tráfico de pessoas e a CNN revelava na semana passada a existência de leilões de escravos africanos na costa da Líbia, onde estes são vendidos por 400 dólares..Muitos políticos africanos manifestaram o seu repúdio perante esta situação, com o presidente do Níger, Mahamadou Issoufou, a pedir ao Tribunal Internacional de Justiça que investigue. E, segundo o site EURACTIV, vários dirigentes africanos deverão aproveitar a cimeira de Abidjan para alertar os europeus que a sua forma de externalizar a crise dos migrantes na Líbia vai acabar por reabrir velhas feridas na história dos dois continentes. Pressionada para explicar a falta de ação da Europa na Líbia e o contraste com os milhares de milhões de dólares dados à Turquia para impedir os refugiados sírios de atravessar para a Grécia, a chefe da diplomacia europeia Federica Mogherini explicou há dias que as duas situações são "diferentes" e que na Líbia não se trata de requerentes de asilo legítimos. E sublinhou que "esta não é uma cimeira sobre migrações, é uma cimeira sobre a parceria entre UA e UE"..Antecipando essa parceria, Macron afirmava ontem: "A África é um continente incontornável porque é aqui que se concentram todos os desafios contemporâneos - terrorismo, alterações climáticas, pobreza, demografia, urbanização. É em África que se vai jogar uma parte da mudança do mundo.