Macarrão à Mattarella
Em traços simples, é isto que está em jogo hoje em Itália. Em primeiro lugar, que compromissos multipartidários garantirão maiorias minimamente sólidas na Câmara dos Deputados e no Senado? As sondagens dão o 5 Estrelas (M5S) como mais votado, o que não quer dizer que tenha as melhores condições para negociar uma maioria. Para chegar a acordo com a Lega Nord (LN) precisa que a coligação de direita em que o partido de Salvini se integra estilhace, o que não é impossível, e para chegar à maioria precisaria ainda da Forza Italia (FI), o que também não é bizarro. O problema é que a disputa pelo cargo de primeiro-ministro seria brutal e a FI, não sendo o partido mais votado, teria de abdicar da posição, depois da cartada Antonio Tajani. Custa acreditar que o faça, mas estamos a falar de Itália, onde quase tudo é politicamente possível.
O M5S tem ensaiado algum discurso mais "institucional", pondo de lado o referendo à saída do euro e apresentando um governo-sombra no final da campanha. O seu crescimento tem ocorrido sobretudo no Centro e Sul de Itália, muito à custa do Partido Democrata, o que prova o sucesso do menu trabalhado por Luigi di Maio: pós-grillista, mas não institucional; populista, mas pragmático. Mesmo que não consiga agregar toda a coligação pré-eleitoral de direita, isso não pode descansar ninguém que lute por uma Europa respirável, sem xenofobia e radicalismos: mesmo sem a FI, esta falange teria qualquer coisa como 50% dos votos. Em 2006 valiam 12%.
Em segundo lugar, que diálogo pós-eleitoral existirá entre os dois blocos para se chegar, ou não, a uma solução maioritária? Neste contexto, é importante perceber a força individual dos seus maiores partidos. Se à esquerda o PD tiver menos de 20% entrará em modo SPD: abrirá a caça a Renzi e a tentação oscilará entre ir para uma oposição à esquerda, ainda mais refém de sindicatos e de um discurso eurocético, ou integrar uma grande coligação com a Forza Italia que aritmeticamente terá de se abrir a pequenos partidos, como os democratas-cristãos do Noi con l"Italia e outros. Mas também aqui não é certo que os 316 deputados sejam alcançados. As sondagens não aproximam esta solução da maioria e a picante disputa de egos que este cenário levanta (Renzi, Berlusconi, Tajani, Fitto, Gentiloni) torna tudo mais complexo. Mais: o ponto mais relevante nesta disputa entre blocos será mesmo perceber se a FI tem mais mandatos do que o PD para assim impor o nome escolhido por Berlusconi para chefiar o governo. Tudo isto, claro, em caso de ser montada uma coligação de vontades entre partidos que sustentem a maioria, num cenário que expõe com clareza dois problemas italianos, mas cada vez mais europeus. Por um lado, a incapacidade de um país que respira política fazer emergir uma geração moderada, sensata e cosmopolita. Por outro, mais um sintoma de declínio no grande partido estrutural ao centro-esquerda, depois do PS francês e do SPD alemão.
Em terceiro lugar, que centralidade política assumirá o presidente Mattarella? Como referi na última crónica, a presidência da república tem sido fundamental para assegurar a coesão da maioria de esquerda no parlamento saído das eleições de 2013. Fez indigitar quatro primeiros-ministros em cinco anos de forma hermética, o que contribuiu para não deixar o país cair num ciclo de eleições que destruiria de vez o ambiente económico e abriria as portas à vampiragem exterior sobre o seu frágil sistema bancário. Mas isto teve um preço alto: metade dos eleitores vão votar hoje em partidos populistas, xenófobos e anti-UE, além de a abstenção poder subir bastante. Estruturalmente, o sistema político acabou por assumir uma transformação silenciosa, passando de um modelo centrado no primeiro-ministro, com um presidente apagado, para um onde este assume as rédeas políticas, dando ao chefe do governo um papel subalterno e alinhado com o Quirinale. O que resultar destas legislativas - ou seja, a falta de uma maioria após rondas negociais - pode levar Mattarella a indicar um nome de perfil tecnocrático fora do quadro partidário ou, até, a convocar novas eleições, deixando Gentiloni em gestão corrente. Isto significa que, mais cedo ou mais tarde, Itália vai enclausurar-se num debate constitucional e de arrumação sistémica. O problema italiano sobe assim de tom se juntar à procura insistente de um rumo no centro político europeu e na competição global a queda num novelo de indefinição permanente sobre as regras do seu funcionamento eleitoral e institucional.
Em quarto lugar, que Itália comprometida com a integração europeia sairá desta noite eleitoral? Não há nenhum partido com expressão e influência no futuro de Itália que nesta fase vista a camisola das reformas da zona euro, discutidas em Paris e em Berlim, tornadas fundamentais no sucesso de Macron e da grande coligação alemã. Todos os restantes países do euro terão de se posicionar neste debate, acompanhando ou não a centralidade deste motor europeu pós-brexit. Itália, com o caldo populista interno e uma ausência de vozes afirmativas pró-europeias, vive, igualmente, um momento decisivo sobre o seu futuro comunitário: vai continuar no núcleo duro da moeda única, da defesa, das liberdades de circulação e do mercado único? Ou cederá à vaga soberanista e identitária destes tempos, que a colocaria num beco mediterrânico sem alternativas ao estatuto que merece? Infelizmente, mas sem surpresa, a campanha eleitoral foi totalmente omissa sobre estes dilemas. Perderam os italianos.