Luxo e inferno no Natal parisiense
Com o aproximar da quadra festiva, Paris transforma-se numa imensa festa de luz e de cor. Nas ruas e nas avenidas são colocadas verdadeiras girândolas de luzes e todas as árvores se vestem com uma nova roupagem luminosa. Fachadas decoradas dos prédios ricos, nos bairros nobres da cidade, emergem com magia do meio da bruma da noite parisiense e as lojas apresentam as mais belas montras do ano, que regurgitam de artigos de luxo que enchem de desejo aqueles que não podem.
Os célebres armazéns parisienses - Printemps ou o Lafayette - rivalizam nas espectaculares decorações de rua, que se estendem por vários quarteirões e reproduzem, com mestria, cenas luminosas da quadra natalícia, oferecendo um espectáculo irreal, como um fogo de artificio que nunca se extingue.
Nas centenas de árvores plantadas, num e noutro lado dos Campos Elíseos, cintilam milhares de estrelas que deslumbram passantes que deambulam nos passeios, extasiados pela magia do espectáculo. É como se a «mais bela avenida do mundo» se transformasse numa nova Estrada de Santiago para mostrar o caminho entre a Concórdia e o Arco do Triunfo.
Os restaurantes de luxo anunciam já os seus menus para a noite da consoada do Natal e da noite de réveillon do Fim do Ano, que incluem champanhe, ostras e foie gras e outras iguarias.
Mais de mil euros por pessoa, tal é o preço médio, a pagar para provar os melhores pratos da gastronomia francesa. Um preço que não mete medo a milhares de pessoas que enchem alegremente esses restaurantes, nas noites da Consoada do Natal ou Fim de Ano.
Hoje, já é difícil reservar uma mesa nesses restaurantes de luxo. Principalmente nos mais caros. Todos estão já completos.
No célebre restaurante Tour d'Argent, onde se come, ao mesmo tempo que se desfruta a beleza do rendilhado gótico da Notre Dame, as mesas ao lado das janelas panorâmicas estão já reservadas desde há dois anos. Preço mínimo por pessoa dois mil euros e isso, se não houver pelo meio vinhos velhos ou raros. Caso contrário, o preço será a dobrar.
Mas em Paris, há gente para tudo. Há mesmo aqueles que não têm nada e que na noite Luminosa deambulam sem destino, procurando um lugar acolhedor onde passar a noite. Os risos reconfortados dos que saem dos restaurantes chegam como ecos de um outro universo até aquelas silhuetas humanas, deitadas nos passeios, embrulhadas em jornais homens e mulheres que dormem nas entradas de prédios ou que vão procurar refúgio e um bafo de calor na boca do metro. Náufragos de uma sociedade egoísta que os rejeitou e atirou para o inferno da rua.
Nestas noites de festa, a solidão é mais forte e sentida para os que tudo perderam pelo caminho. Por vezes, encontramo-los deitados nos passeios das belas avenidas, onde fazem cama com cartões encontrados nos contentores. Deitam-se bem colados uns aos outros, para se protegerem do frio e da vida. Com uma voz rouca de vinho barato, estendem a mão e pedem um euro. Para estes novos pobres não há festa de Natal, não há luzes multicolores ou consoada.
Única consolação associações humanitárias distribuem na noite de festa rancho melhorado que inclui uma fatia de bolo, enquanto equipas médicas solidárias tentam arrancar do chão gelado os mais fragilizados, que resistem e recusam abandonar os companheiros de infortúnio. É que, entre um dormitório popular onde as regras são rigorosas e a rua, esses homens e mulheres continuam, apesar de tudo, a preferir a liberdade. Mesmo quando esta tem um gosto a frio.